DIANA, QUE SAUDADE DE VOCE MINHA FILHA

No silêncio do meu quarto, depois de um dia de luta, tudo é válido. Até sonhar! Graças a deus, meus últimos sonhos têm sido bons, muito bons até, eu diria. Tenho sonhado com a minha terra, com meus pais, com meu irmão. "io tengo tantos hermanos que non los puedo contar" Este irmão, com quem eu sempre sonho, é diferente, tem um que a mais. Mas esta noite, sonhei com minha baixinha, a pequerrucha do pai, minha neguinha, minha... são tantos adjetivos carinhosos... acho que foi a saudade que me fez sonhar, mas esta saudade está com os dias contados. Já tem dia e hora marcada pra acabar. Então, eu deitado, a TV ligada, o programa era sem importância, era só o vício da TV ligada. Ela chegava desligava a TV, colocava um disco da Enya,

sentava na poltrona ao lado da cama e dizia que ia ler um poema. Um poema que tinha escrito pra mim, pro dia dos pais. Ali estava minha filha, minha parceira, minha cúmplice... cúmplice em cada verso que escrevi, ou na idéia de um verso, de um futuro poema que eu nunca passei pro papel. Agora alí estava ela, dizendo que ia ler um poema que ela mesma escreveu. Legal! Eu disse! E falei: filha você tem comido muita cenoura? Por que? Ela perguntou. Porque seus olhos estão brilhantes como eu nunca tinha visto! Ela riu. E seus olhos brilharam mais ainda. Ela puxou a boina pra frente (como ela ficava linda com aquela boina) e começou. Eu fechei os olhos para ouvir melhor o poema, pra me concentrar. O poema falava de um poeta, de um pai de um homem, mas que não era eu. Na escrita dela no conteúdo do poema era eu, mas eu não me via alí. Precisava mil de mim pra ser aquele alí. O disco da Enya rodava, minha cabeça rodava...

Eu queria abrir os olhos, queria que ela me desse perdão por não ter conseguido ser pelo menos uma partícula daquele pai ali do poema. Queria voltar no tempo, contar pra ela a história do bode e da onça, ler pra ela aquelas fábulas que tanto agrada as crianças, levar minha filha no parque, rodarmos bicicleta e na areia da praia cantarmos juntos com toda força dos pulmões, depois comermos chees salada, lambuzando os dedos com catchup... Mas eu nunca fiz isso! Eu nunca fiz nada! eu nunca faço nada!... Eu nem estou mais escutando a Enya, eu nem estou mais vendo minha filha...

De repente o silêncio deixa de existir e eu ainda com sono, travo o despertador e vou à luta.

S. Paulo, 12/11/2007

CORDEIRO

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CORDEIRO de ITIÚBA
Enviado por CORDEIRO de ITIÚBA em 04/05/2008
Reeditado em 08/04/2012
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