Um novo poeta por favor!

Sábado passado estive em Vicente de carvalho. Bairro do subúrbio carioca onde, dizem os especialistas, encontra-se o melhor bolinho de bacalhau do Rio de Janeiro. Lá estava eu, naquela conhecida adega que por tradição concentra boêmios de todas as partes da cidade, e traz consigo um clima que une a malemolência do samba e os lamentos lusitanos do fado.

Numa conversa pra lá de etílica com meu querido primo Ricardo Julio, me deparo com a conclusão aterradora sobre a ausência de grandes letristas e poetas para a nossa geração pré-quarentona, após as perdas de Renato Russo e Cazuza.

Ricardo inclui neste hall, o “paralâmico” Herbert Viana, como um outro mestre das letras musicadas de nosso tempo. Concordo com ele, e para melhor exemplificar as características destes poetas oitentistas, propus imaginarmos uma viagem de trem em que, além de nós dois, estariam Herbert, Renato e o nosso exagerado. Todos em vagões separados e puxados por uma locomotiva que soltaria a sua fumaça pelos ares caminho afora.

Imaginei que, após a partida, Herbert se acomodaria numa poltrona confortável junto à janela, e que de posse de caderno e lápis, anotaria suas observações sobre a paisagem. Falaria dos alagados, tenderia à lua, e fotografaria com palavras toda as visualizações e seus personagens, percebidos nos rápidos flashs de vida que corriam diante de seus olhos. Um excelente retratista.

Ao mesmo tempo, Renato Russo estaria quieto e sozinho numa cabine particular, e escreveria sobre os medos que sentia sobre o que encontraria na próxima estação. De como gostaria que a próxima parada fosse marcada pela compreensão entre os homens, e que o amor pudesse vencer os monstros e as angústias que assombravam as pessoas, que não percebiam a grandiosidade de uma gota d’água ou de um grão de areia.Ele pediria um mundo melhor com certeza, a começar por pais e filhos mais compreensíveis e compreensivos.

Neste momento, percebo que a velocidade do trem aumenta, e Cazuza grita e gargalha já abraçado ao maquinista, lhe contando os absurdos da noite na última estação, e falando dos personagens imaginários que surgiam nas formas da fumaça liberada pela locomotiva, e entre mais uma dose e outra, diria que o dia também morre, e é lindo, como eram lindos os tais moinhos de vento.

Na adega, intermináveis segundos separam a história da viagem do comentário seguinte. Eu e Ricardo estamos com os olhos marejados, e ante ao ultimo bolinho de bacalhau, percebemos o quanto nossa geração ficou despedaçada dessas linhas geniais.Tenho o impulso contido de gritar ao garçom:

- Um vinho do Porto e um novo poeta por favor!

(Este texto foi extraído pelo autor, de seu blog na internet, http://andersonjulio.flog.oi.com.br)