COSTUREIRA DE LUTO

Sob o viaduto cinza, seu quarto é cercado por pilastras em forma de V. Pontualmente, ao nascer da tarde, a vejo cabisbaixa, em luto. Suas almofadas e sofás são sacolas que gritam grifes famosas, que ela jamais consumirá. Vestes puídas, mas limpas. Cabelos curtos, óculos de grau que teimam em fazer do nariz um escorrega.

Metodicamente, cotidianamente, religiosamente cruzo seu caminho. Nunca nos falamos; não sei seu nome, sequer seus burocráticos dados cadastrais. Mas, sei que seus dedos finos, frios costuram, ágeis, meias furadas, de segunda à segunda.

Em uma única vez, em um único dia, ela arqueou as sobrancelhas e, por cima dos óculos, nossos olhos se viram. Numa fração de segundos, esboçamos leve sorriso.

Mas, férias interromperam meu cotidiano. De volta, mergulho na correnteza do rio humano que navego todos os dias, sob o viaduto. Reduzo o passo e olho, atenta, o vão da pilastra, em vão.

A tarde acorda fria, uivando silêncio em meu ouvido. Silêncio no vazio quarto urbano da costureira de luto. Onde andará seu olhar?