INVENTIVA E CRIATIVIDADE
Chega-me ao coração e à cuca um poema remetido por um jovem poeta de Teutônia, rico município de etnia original de alemães (teutos), cidade de 20 mil habitantes e que se localiza no Vale do Rio Taquari, a 15 km de Estrela-Lajeado.
Vejamos o poema:
"O AMOR DOS CEGOS
Juliano Schwarz
Sensíveis aos sentimentos...
Declinar do convite,
De estar livre.
Celeiro emocional
Efetuado por restos agudos
De altivez e solidão.
O ciúme escraviza
O dever do espirito
O limite dos seres.
Angulo oposto
As cartas dissolúveis do tempo.”
Querido amigo Juca!
O poema está bonito de palavras, mas sem sentido, confuso, desconexo, não harmônico para o enfrentamento do tema proposto. Parece-me que o título dado ao poema ficou no subjetivismo do autor, em sua cabeça, não chegando ao palpável.
No entanto, o que mais chama a atenção é a falta de ritmo.
O que me agrada nele é o questionamento que se percebe na tua cuca, muito mais profundo do que o do primeiro livro, antevendo-se que virá uma fase de poética mais visível, mais Poesia.
É o que denotam alguns dos textos que vinhas remetendo pelo Orkut, Como apresentaste este por ele, procurei dar alguma privacidade à análise crítica, publicando-a aqui no Recanto das Letras, que tem público escriba e afeito ao trato literário, diferentemente do tal sítio de relacionamento.
Mas este poema deixa muito a desejar. Parece necessário buscar mais leitura e menos complexidade nos versos. Solta a tua verve mais inusitada, buscando inventiva e criatividade!
Vejo que não estás lendo os teus poemas em voz alta. Só com este procedimento tu poderás vir a perceber o ritmo, a sua cadência (alternância entre sílabas fortes e fracas, no verso), o andamento elíptico das palavras pelo som que lhes é próprio. Também a leitura em voz alta dirá o ‘como escrever cada verso na linha’, a sua extensão segundo o ritmo.
Não se pode cortar um verso que exprime um pensamento completo, a não ser que o andamento rítmico o permita, sem que fique prejudicado o entendimento do que se quer expor, principalmente quando se usa metáforas incomuns. Isto não se trata de licenciosidade poética, como argumentam alguns teóricos, mas, sim, de incorreção rítmica.
A Poesia tem um caráter de oralidade muito pronunciado. Ela é feita para ser falada, oralizada, recitada. Ao lermos um poema, mesmo que em silêncio, logo percebemos o seu lado musical, sonoro. Na poesia, a nossa audição capta a articulação, o modo de pronunciar cada palavra no texto.
Cada consoante tem o seu som específico, nos versos. As chamadas consoantes duras (bê, tê, pê, dê) comandam a cadência, no verso, e normalmente denunciam a espinha dorsal rítmica do poema. As vogais são acessórios que lhes dão tonicidade ou não. Mas a repetição da mesma vogal dentro de um ou mais versos, a que chamamos assonância, redimensiona a função da vogal, para os efeitos rítmicos.
Aquele “as” do final do poema prejudica o ritmo do verso. Nunca se põe artigo, definido ou indefinido, ainda mais no plural, antes do "cê", porque dá som ruim, cacofonia, formando, por vezes, o cacófato perfeito.
Veja-se a diferença: “cartas dissolúveis do tempo”. A metáfora é inusitada, ousada. Bate estranha no ouvido e, devido a este estranhamento rítmico, exige retorno ao que está contido no verso, funcionalidade do sentido conotativo. Mas é válida e plausível, porque original: cartas são dissolvidas pelo decurso do tempo. Literalmente, até porque o papel desaparecerá, acaso exposto ao tempo. Mas, o que interessa haurir da proposta do autor, é o que está contido naqueles escritos. O próprio tempo “dá as cartas”. Ele as dá, e ele também as consome, em conteúdo e forma.
Observe-se que cresce o verso, ou melhor, a proposta contida nele. Aqui temos um bom final, com alguma transcendência, o que é fundamental ao poema para que se tenha verso com Poesia e não meramente um verso sem Poesia. Ainda mais neste caso, em há a utilização de vocábulos de sentido abstrato, sem concretude.
A não ser que o verso correto seja “Ângulo oposto/ às cartas dissolúveis do tempo.” Neste caso, a incorreção rítmica na elaboração do verso (que ficou desconjuntado), a falta de pontuação e de símbolos gráficos induziu o leitor criterioso ao entendimento incorreto.
A palavra “espírito” também necessita de correção de acentuação, OK?
Vês como é necessário escrever com cuidado, ao colocar o verso na rua? Não basta ao poeta do verso culto possuir, apenas, inventiva e criatividade.
O autor necessita ter cuidados para não se expor à censura linguística...
– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2006/2010.
http://www.recantodasletras.com.br/tutoriais/336508