O QUE FAZER COM A PALAVRA?**

O que fazer com palavras que recolho no chão dos enjeitados? As mantenho na gaveta, caladas, ou com elas faço estardalhaço em praça pública?

As vezes nelas busco amparo, noutras as rejeito; com elas medito, com elas faço levantes. As vezes as vejo como asas e as projeto como se fossem pássaros.

Tem dias que a elas me dedico como um artesão e as monto em peças, como se fossem raras, e as lapido como se fossem pedras-de-lei.

Penso: com elas hei de fazer brilhar almas; dá-las de beber ao povo; matar a fome da massa. Ou, quem sabe, fazê-las aríete, arremessá-las contra o muro das desgraças.

Noutras horas quero enterrá-las no fundo do quintal; colocá-las na mala e atirá-las na correnteza do rio. Dar a elas adeus. Cala-las de vez.

Tal e qual um guardião, entretanto, as mantenho presas e fico de prontidão. Como quem tem culpa, invento desculpas para desacreditá-las como mensageiras de paz.

Ora! São só letras algemadas à verdades; são só palavras com vida, aprisionadas; são só almas perdidas, recolhidas das ruas, anexadas à frases desconexas.

Por fim me decido: As coloco alinhadas como soldados, perfiladas como esquadras; as arregimento em versos e as amarro às rimas.

Agora me espanto ao vê-las estampadas como pétalas, coladas às folhas brancas, ao quase-nada das páginas deste livro.