O POETA NÃO SE TOCA

Porque o poeta não se toca

Não desentoca sua dor

Não sobe na árvore

Não defende o verde

Não vai à luta pelos sem-chão

Porque ele não se manca

Não destrava o mote

Não destoa. Não dá o norte

Não espanta a morte

Porque o poeta sofre

Sozinho no seu andor

Mas não molha sua palavra na vida

Não lava sua alma na mina

Não mira na verdade

Porque ele não muda tudo

E põe o mundo de ponta cabeça

Fica só nessa de amor e dor

De etéreo e eterno

Se hoje tudo é rápido expresso

Concreto, indiscreto e sem mistério.

Porque o poeta se julga o máximo

Erudito, vasto e preciso

Mas não se toca

Não cutuca fera com vara curta

Não enquadra o corrupto

Não zela por todos nós

Não destrava os nós

Não tira a prova dos nove

Não solta as palavras do verso

Fica nessa de anelar letras

Enfileirar palavras

De condensar o vazio margear o rio

Porque o poeta quer mamar nas tetas

Quer a tela o livro

A fama a grana

Mas não cruza o mar bravio

Não resolve os problemas do Brasil

Não vai à luta

Não escreve com unha e carne

Não faz arte bruta

Não dança nu na praça

Não entra em êxtase

Não abre uma nesga no breu

.....

O POETA NÃO SE TOCA (2)

O poeta não se toca

Não sai da sua torre

Quer o definitivo

Mas tudo é rascunho

Murmúrio e burburinho

Raso perto vazio

Quer um maracatu pesado

mas tudo é música de elevador

Assim ele não goza

Fica na glosa na rima

Não desce do seu andor.

O poeta não se toca

Não toca o bumbo na rua

Não põe seu bloco na praça

Não faz o impossível

Não torna visível o difícil

Não eleva o nível

Não acha graça de nada

Assim ele não relaxa

Fica no desatino

Não sabe nada de amor

O poeta não se toca

Não vê que não há lógica

De que é tudo maluco

Mambembe brasileiro

De que é um nego moreno

Um branco mulato

Um nato estrangeiro

Um índio indiano

Um sertanejo paulistano

Um engano um ensejo

O poeta não se toca

Não troca sua sina

sua ira pelo som que vem da rua

que desce ladeira

que sobe o morro

que toca na laje

Então que invente

Que “inverse” tudo

Que faça maracatu pesado

Um have metal brasileiro

O poeta não se toca

Não desentoca sua rima

Não faz subir as águas do açude

Não acude quem tem precisão

Não faz chover na caatinga

Não põem vento nas velas

Não acolhe quem lhe pede o tostão

Não vê crianças nos faróis

Não desfaz os nós da política

Não faz a crítica social