+A CONSTRUÇÃO DO AFETO

A CONSTRUÇÃO DO AFETO.

A construção do afeto não acontece de uma hora pra outra. Não imagino tamanha dimensão humana, sem outros ingredientes estruturadores como paciência, renúncia, coragem e fé! Parece exagero, mas o afeto na forma como deve ser na relação entre duas pessoas, não pode ser diferente. A questão conceitual, certamente se interpõe, mas não dilacera o foco que é a estabilidade emocional junto de uma pessoa que escolhemos para viver e amar. Mesmo sendo pessoas de uma mesma cidade, estado, país, as diferenças individuais se conflitam naturalmente, pois o estabelecimento da proposta se estabelece, geralmente, no mesmo espaço físico e emocional. Evidente que quando as pessoas se juntam em propostas afetivas não traçam, metodologicamente, caminhos a serem seguidos. Cada história será única como única será a experiência de troca simbólica de tantos signos que transitam.

Não se pode esperar que a natureza resolva, por si só, todos os nossos problemas. O sexo, mesmo para os nunca iniciados, quando chega a hora, o corpo define os mecanismos naturais de prazer e tudo pode sair na medida certa. Claro que estamos nos referindo a relações heterossexuais em que a "chave entra fácil na fechadura" sem nenhuma luta conceitual. A cultura é importante nisto, mas no viés do sexo geralmente os atores se dão bem em função da anatomia e da pulsão. Quando se parte para a convivência socialmente aceita e simbolicamente estipulada, a complexidade acontece independente de fatores externos como locais, cidade, etc.. Um elemento de maior melindre na construção do afeto é, salvo melhor juízo, a COMUNICAÇÃO. O nosso idioma é vasto no grosso, mas limitado no varejo. No dia-a-dia dos casais, não raro, há desentendimentos por conta de que algo não ficou decodificado como deveria. Quando não só por isto, os bloqueios e filtragens de cada indivíduo, nem sempre são assimilados por cada um ao ponto de evitar brigas e desentendimentos.

Retomamos a questão conceitual, pois ela é determinante para que se consiga uma relação estável com base no afeto, companheirismo, respeito, lealdade e fidelidade. Mesmo sabendo que todos têm suas opiniões sobre as formas de entendimento dessas questões tão subjetivas, não podemos nos furtar de lembrar que alguns conceitos precisam ser recuperados como devem e dentro da estrutura cultural que a sociedade estabeleceu. Os valores só são valores porque têm poder de coercitividade. Pode-se dispor de uma série deles dentro dos padrões populares que nos passaram durante nossa vida, mas temos que ter cuidados, pois o outro, o parceiro, o “ficante”, etc., podem não estar em sintonia com alguma forma de pensar que entendemos certa.

Como as relações não são vendidas em pacote de presente, construí-las requer desprendimento, conforme nos referimos. Dificilmente a pessoa que poderá ser nosso "grande amor" chegará a nossa vida de forma pouco ortodoxa. Normalmente aparecem numa danceteria, num supermercado, na universidade, no trabalho, etc., até que, "tchan, tchan, tchan, tchan"... A gente se encontra na relação! Logo, deve entrar em cena a utopia do amor eterno, dentro da lógica católica do "unidos até a morte". Nada que censurar essa transitoriedade: temos que ser práticos, pois se a vida é tão passageira, como querer um amor eterno? Eterno enquanto dure? Enquanto duro? Podem ser, mas construir o afeto é estruturar o amor do dia-a-dia e com as coisas mais simples. Dinheiro é importante, mas nem todo mundo que tem dinheiro é feliz. Portanto, felicidade enquanto estado de espírito pode ocorrer com ou sem dinheiro, independente da quantidade. Dizem que é melhor ser feliz num rolls royce do que num fusca. Tudo pode acontecer, inclusive nada. Talvez isto leve ao "limbo" das relações que passam a ser entediantes, pois a falta de determinação dos pares para por termo a uma relação, pode levar a sérios prejuízos emocionais e físicos.

Novamente nos conceitos, invocamos a lógica complexa e controvertida da LEALDADE e FIDELIDADE. O primeiro ponto é que não deveríamos nos sentir tendo alguém como nosso dono, nem querer ninguém pra nós como costumamos fazer inadvertidamente. GOSTAR e AMAR são outros aconteceres que muito se conflitam no dia-a-dia, principalmente com boa parte dos homens que, geralmente movidos pelo machismo, dificilmente verbalizam que AMAM, mas que GOSTAM. Competirá a outra pessoa da relação, a decodificação do que seria e do que não foi feito a viúva Porcina da novela. Objetivamente, AMAR não é a mesma coisa que GOSTAR, como ser LEAL não é o mesmo que ser FIEL. Para os evangélicos "DEUS É FIEL". - Para os que ainda não estão salvos sobraria apenas a LEALDADE? Nenhum destes conceitos sobrevive estanque. A construção do afeto é um trabalho árduo em que a renúncia dos atores do processo se associa a comunicação para diminuir conflitos e levar a relação a ser duradoura. Talvez seja nesse convívio de valores tão subjetivos que o Amor verdadeiro se insurja como prêmio. Sexo dá lugar a sexualidade, indivíduo dá lugar a companheiro, fidelidade dá lugar a lealdade, afeto, finalmente, dá lugar ao AMOR...

Talvez mereça aqui, um rebusque mais detalhado na questão da fidelidade e lealdade. A nossa compreensão é a de que a LEALDADE contém a fidelidade, mas não necessariamente. Dito diferente: ninguém, por amar alguém, perde o senso crítico e estético acerca de outras pessoas, nem mesmo deixa de sentir atração. Pode até ocorrer uma "infidelidade" sexual, mas se houver LEALDADE, dificilmente aquela "aventura" porá a relação em risco.

A construção do afeto talvez seja um dos processos interpessoais mais complexos, principalmente diante de uma sociedade de consumo cujos valores, não raros, são calcados no transitório.

Carlos Sena