O DEUS ANTROPOMORFO
 
Somos totalmente crédulos e provisórios
 
Ensaio Cético.
 
O tempo sempre foi eterno, pois nós ligeiramente passamos pelo tempo, alguns conhecidos da gente morrem, os nossos antepassados morreram. Bilhões e bilhões já morreram e bilhões e bilhões com certeza ainda vão morrer, enfim a morte (extinção) é a regra. Entretanto, a gente não percebe que está sendo extinto, por isso, a gente deixa de ser uma exceção na sobrevivência e, por força da regra, caímos silente no fenômeno da extinção. O universo sempre existiu e sempre existirá, é que, o seu ciclo de expansão e contração é de bilhões de anos, aproximadamente 14 bilhões de anos, coisa que a nossa efêmera existência não alcança, não percebe e nem é capaz de dimensionar. Tudo no universo se extingue, mas como ele é dinâmico, outras singularidades se criam, portanto, a vida, assim como tudo o que existe no universo também está sujeito a esse ciclo, extinção e sobrevivência provisória. (Stephen W. Hawking x Albert Einstein) Na verdade, não existe um criador ou um arquiteto do universo, mesmo que isso contrarie frontalmente os criacionistas, principalmente, aqueles religiosos que estão ou foram submetidos a essa lavagem cerebral desde a infância.
O homem, deslumbrado e não entendendo a complexidade do oceano cósmico e para justificar a sua impossibilidade cognitiva, dentro de uma floresta misteriosa de incompreensão, de imediato cria um Ente responsável por tudo o que vê, em outras palavras, o homem cria Deus.
O tempo não passa, nós é que transitoriamente passamos por ele. Somos totalmente provisórios, crédulos e de uma vida inexplicavelmente efêmera, na verdade, somos constituídos de uma matéria muito simples, vulnerável e frágil. Mas para compensar essa constituição fraca, desintegrável e descartável, afirmamos por uma necessidade egóica e através do dispositivo sem evidência da fé, que possuímos uma alma ou espírito de existência eterna que sobreviverá após a morte. Não que isso exista na realidade, é que nós fomos educados assim e, com o tempo, se petrificou em nosso inconsciente como um arquétipo verdadeiro.
Na verdade, as religiões pregam nesse sentido, outras até ousam em afirmar a existência real de comunidades estabelecidas numa outra dimensão (Espíritas), que é muito semelhante a nossa. Fica evidente aqui a necessidade do sempre existir do ego. Aliás, as religiões não concordam entre si, cada uma tem o seu foco dirigido para algo sobrenatural e improvável. No Islamismo, o homem-bomba, como o próprio nome diz, se enche de bombas e mata Judeus, seus arquiinimigos e, logo em seguida ao suicídio, é esperado no paraíso pelas sete virgens com todas as benesses prescritas no seu livro sagrado.
No Cristianismo, ao morrer, se estivermos em pecado mortal iremos para o inferno, a famosa danação eterna, mas se o pecado for leve e sem importância iremos para o purgatório temporário. Entretanto, se a morte nos pegar sem pecado algum, o que é muito difícil, nós iremos para o céu, um paraíso eterno onde se desfruta para sempre das delícias da vida espiritual. No mito ocidental existe sempre um criador e uma criatura e os dois não são o mesmo – estão sempre em conflito e sempre há alguém ou algo a atrapalhar, incomodar; um diabo, um extraviado da criação. Diante da pouca importância que o homem tem diante de um Deus tão exigente, ele deve se ajoelhar e servir e não questionar e obedecer a parâmetros sempre ditados por alguma instituição, uma igreja, uma denominação. É uma religião de subserviência, cuja gestão é o conflito e o terrorismo psicológico, imposto pelas lideranças religiosas ou auto-imposto pelos crentes.
Já se disse com muita propriedade que a cabeça humana é uma fantástica criadora de absurdos, e que esses absurdos só se sustentam pela fé – entretanto e por isso, a fé é uma convicção sem evidência e acreditar não é sinônimo de existir. (Carl Sagan x José Saramago) “Alguns, talvez, queiram ainda curvar-se diante de uma máscara, por medo da natureza. Mas se não há divindade na natureza, a natureza que Deus criou como poderia haver na idéia de Deus, que a natureza do homem criou?” – pergunta Campbell. Pois qualquer um que não entenda que foi o homem quem criou Deus, talvez não possa discutir coisa alguma de maneira sensível e racional.
Não somos projetos criados por um ente sobrenatural com especial divindade, nós sim é que o criamos, somos isto sim, objetos de uma evolução que se processou e que ainda se processa paulatinamente e silenciosamente, pois é dito que a natureza não dá saltos.
Se houvesse vida após essa vida, por certo já teríamos completo conhecimento dela e, por conseqüência, obrigatoriamente possuiríamos uma consciência mais avançada, como se fossemos um projeto destinado a uma nova dimensão do universo. No entanto, o que realmente temos consciência é de que somos seres provisórios e totalmente descartáveis na economia do universo. É bem verdade que não existe prova consistente de outra existência após essa vida.  Nós seremos desintegrados em tantos elementos e em igual quantidade de quantos somos formados, nada mais existirá após a morte. (tu és pó e ao pó voltarás) Como é dito pelos cientistas, biólogos e astros-físicos, somos feito de material estelar e nada mais. Com a morte, apenas deixaremos lembranças ou recordações que o próprio tempo se encarregará de apagar da memória dos que ficam ou, conforme a importância de cada um, simplesmente, homens ou mulheres, serão apenas lembrados e catalogados pela história.
Alguém já disse com muita propriedade que as religiões, tendo em vista a fraqueza e a ignorância humana, usam com muita perspicácia a sua doutrina supostamente salvadora, e que, cada uma com os seus atrativos ritualísticos, pregam e instituem o medo da danação eterna. Por isso, nós acreditamos que elas servem apenas como conforto ou consolo para uma humanidade pouco esclarecida e temerosa, por isso elas engessam, escravizam e aprisionam o ser humano.
Aliás, todos nós temos medo do desconhecido, e é aí que as religiões sabidamente exploram essa fraqueza humana. Por que haveria um ente que se interessaria em nos salvar? Mas salvar de que e para que? Que ente seria esse que nos cria imperfeitos, somente para apreciar a nossa danação e nos jogar nas profundezas do inferno. Têm coisas nas religiões que afrontam a própria lógica, assim como temos um Deus onipotente,onipresente e onisciente que faz nascer o seu filho (que é Ele mesmo) para ser crucificado e morto para nos salvar. Por que Ele com todas as suas qualificações e poderes divinos simplesmente não nos salva? Será que é preciso matar o próprio “filho”, que é Ele mesmo, para nos salvar? Esse Deus não é nada bonzinho ou, quem o criou, é simplesmente maquiavélico ou mentalmente doente ou ficou fanatizado pela idéia útil de Deus. Aqui toda a culpa deve ser debitada a Abraão, aquele que pretendia sacrificar o filho Isaac numa fogueira, para simplesmente demonstrar que era obediente e temente a esse Deus.
Totalmente ilógico, mas mesmo assim, esse Deus mais tarde nos dá o filho para ser sacrificado. Os Judeus sempre gostaram de executar alguém ou alguma coisa num sacrifício para agradar a Deus, e isso ficou tão bem impregnado na cultura religiosa que o catolicismo instituiu o sacrifício (de novo) do próprio Cristo na missa, pois em certa parte do ritual, o padre O come solenemente, para em seguida distribuir aos fiéis aos pedacinhos, isso é conhecido por eucaristia que, em grego, significa banquete. (Theofagia)
Aqui seria bom lembrar que no Totemismo, a primeira manifestação religiosa do homem primitivo, ele comia em caráter solene o Totem, um animal sagrado, para que lhe fosse transferida as qualidades totêmicas. Não muito distante da nossa geração, e que conhecemos através da história, que os índios canibais comiam os guerreiros inimigos, assim num ritual sagrado para eles, adquiriam as qualidades do valente guerreiro.
Bom, acredita-se que esse Deus seja uma idéia útil ou apenas um símbolo (Joseph Campbell), ou a instituição do “monomito”, muito bem explorado pelas religiões (poder moderador), para submeter uma humanidade ainda em evolução. Só que, essa elite religiosa mais esclarecida, instituiu poderes religiosos, financeiros e econômicos draconianos que, se esse Deus realmente existisse, estaria chorando de vergonha e arrependido de sua própria obra.
É bom que se diga que os livros sagrados (Bíblia e outros), estão recheados de metáforas, na verdade trata-se de uma floresta de metáforas, sabemos que a metáfora é a linguagem nativa do mito, e que deve ser entendida com conotação e não com denotação. Entendendo-a com conotação, temos que saber qual a mensagem pretendida pelo autor, mas se cairmos entendendo-a com denotação, tudo será factual e será entendido como um fato histórico e físico. As religiões, principalmente as cristãs, entendem e lêem os seus livros sagrados com denotação e tudo se transforma num fato histórico, o que não é verdade, pois a grande maioria das narrações são mitos que se desenvolveram numa determinada cultura e em uma determinada época. Nas religiões: Judaísmo, Catolicismo ou Cristianismo e Islamismo, Deus é considerado e visto como um fato físico, isto é, Ele existe ao modo do ser humano, o chamado Deus antropomorfo.
Religião pode, assim, ser definida como o conjunto das atitudes e atos pelos quais o homem se prende, se liga ao divino ou manifesta sua dependência em relação a seres invisíveis tidos como sobrenaturais. Tomando-se o vocábulo num sentido mais estrito, pode-se dizer que a religião para os antigos é a reatualização e a ritualização do mito. O rito possui, "o poder de suscitar ou, ao menos, de reafirmar o mito". Entende-se que as religiões são a continuidade legítima dos mitos, só que, elas pecam com a denotação pura e simples. Os mitos são trazidos para as religiões e solenemente são sacralizados.
Os símbolos do próprio mito não são explicados, é preferível mantê-los como mistérios para simplesmente impressionar os incautos, chama-se a isso de deslumbramento. Aqui deve ser mencionado quando a missa era rezada ou dita em latim, isto era feito para que o povo inculto ficasse impressionado e se elevasse à transcendência, por que o padre oficiante do ritual, virado de costas para os fiéis, assim era para que fosse entendido como o intermediário de algo sobrenatural que estaria acontecendo. Seria bom que se pesquisasse o ocorrido no Concílio Vaticano II, pois a ala conservadora muito se debateu, mas a ala progressista conseguiu o seu intento. Isto é, virou de frente o padre oficiante para os fiéis, assim tornando-os participantes do ritual na língua mater.
Em 29 d.C. já havia dito o Monje Tertuliano que: Credo quia est absurdum, outros pesquisadores acrescentaram da seguinte forma: Credo quia est tremendum et fascinans absurdum. É lógico que Deus não é para ser entendido, pois aqui estamos tratando de um mito muito antigo que passou a ser um arquétipo da humanidade trazido por Abraão, através de uma narrativa mitológica, com o objetivo de substituir os muitos deuses existentes. Temos duas idéias variantes de Deus, uma exterior como um fato, o Deus antropomorfo, (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo) e outra interior como um arquétipo. (Carl Gustav Jung e religiões orientais)
Você não pode se identificar com Deus, quando acha que Deus é um fato. Quando por outro lado, pensa em Deus como uma metáfora daquilo que é o dinamismo da vida, e se apega a isso, você é Deus. (Joseph Campbell). Ou, Jesus Cristo que dizia: O reino de Deus está dentro de vós. Por tratar-se de um trabalho que está se desenvolvendo e por ser um assunto por demais complexo e polêmico, eu confesso e prometo voltar outro dia com um trabalho sobre os mitos. O trabalho que hora apresento serve apenas como uma simples introdução ao assunto: Religião X Mitologia.