POESIA NÃO É CONVERSA PRA BOI DORMIR

Recebo o mote e me inspiro para a análise. As letrinhas saem do papel como um milagre. Ou cobrinha (inofensiva?) de lingüinha de fora. Porém mais parece, ao criticado, um imenso dragão cuspindo fogo... (para mim e para o autor, porque a palavra, em si, tem esta realidade fenomênica).

Não sou São Jorge pra brigar com o dragão, porém sinto o fogo queimando a minha pele.

Vejamos como é rico o diálogo entre autor e o analista crítico. Quem ganha é aquele que, inocentemente, age como um expectante:

----- Original Message -----

From: "Recanto das Letras" <recantodasletras@recantodasletras.com.br>

To: "Joaquim Moncks" <joaquimmoncks@gmail.com>

Sent: Monday, April 05, 2010 5:29 PM

Subject: Contato de visitante

Assunto: e então ? mais animado prá escrever ?

Nome: maria

E-mail: mariaairam@oi.com.br

IP: 187.23.106.75

Mensagem:

faz tempo fiz alguns textos. na época uma forma de desafiar a ti. não sei porque... mando um deles. só prá leres e acordares as garras... rsrs. os outros se chamam Anisete e Não sou Cecília... Nem Drummond... se quiseres... e se precisar... envio os outros também... com um abraço. feliz por teres voltado a escrever...

“SABOR CARAMANCHÃO

Maria

Não sou máquina de produzir poesia,

ou computador de pensar...

E nem meus versos são

pílulas para qualquer dor,

ou remédio para feridas de amor.

Mas são versos que falam com autenticidade

das vivências do meu sentir poético, ou não...

Vivido no cotidiano da minha,

e das vidas que tocam minha alma.

Não sou perfeita, e nem entendo

dos vestidos com que os poetas

cobrem os corpos de suas poesias.

Não gosto dessa forma quadrada e dura

com que os versos rimados andam,

nem da falta de gingado e molejo,

na dança com as palavras.

Minha poesia tem saias rodantes,

veste chapéu de palha,

trançada pela minha própria mão...

Faço-a com rendas, fitas e laços,

e costuro-lhe lantejoulas coloridas,

- douradas à luz do meu sol -,

com contas de pérolas que eu mesma dori.

Meus versos me causam surpresa,

por desconhecê-los antes de sair de mim,

e depois, não reconhecê-los,

como se de mim não tivessem saído.

É como fossem do \"poeta da antiguidade\",

cozidos no lirismo de sua ânsia febril,

no pensar poético de suas entranhas.

Por isso, não tenho tempo para

ater-me a métricas e sintaxes,

e outras \"étricas\" e \"axes\"...

E lá sei eu o que é isso,

ou entendo de coisas assim?

As asas do moinho dos meus versos, batem soltas,

mesclando a prosa com a poesia,

não se amarrando em postes e endereços,

nem aderindo a movimentos

que não entendo e não conheço.

As palavras que nascem de mim,

- mesmo maturadas no caldo do século 21 -,

são fruto temporão, tardio,

chegadas aos dois anos de vinte,

quando a vida já ia partindo,

fazendo um tempo fora de época...

E guardam ainda, o sabor caramanchão

das roseiras que galgavam

pelas pilastras e ombreiras das portas,

para depois caírem em apaixonantes serenatas,

do sobrado de um velho casarão...”.

Amada Maria, tão condenada ao questionamento...

Poesia é ritmo, sugestionalidade, transcendência, síntese e linguagem figurada, utilizando o sentido conotativo dos vocábulos, tudo em versos.

A mania brasileira é escrever qualquer coisa em versos, como se todo o texto criado fosse daquele gênero. Como se os meros versos conseguissem dar às palavras o status do gênero em que a palavra é una, diferenciada do lugar comum da vida.

Há um não-sei-o-quê diferente que nos alumbra, que nos encanta, colocando a palavra poética num entendimento que é só dela. Não apenas uma questão de ornato, de ritmo ou rimação, mas uma coisa diferenciada, em que se percebe o mistério fluindo, esquálido e belo, por detrás do biombo em que se esconde. A este susto inopinado e com cheiro de verdadezinhas poderíamos chamar poema com Poesia.

Eis aqui um belo exemplar. Vê-se, desde as primeiras palavras, que a autora começou o texto fazendo prosa e, com o pensamento se rarefazendo em vocábulos, e ganhando em história pessoal (por debaixo das palavrinhas), a contação verbal vai se abrindo em universalidades. Já não mais diz, sugere.

O que é pessoalidade vira do interesse e dos domínios da humanidade. Porém, percebe-se que o Real que está sendo relatado não é tão realidade assim, e, sim, é dos dominós imemoriais de todo o ser humano, mesmo que tenha sido lavrado na primeira pessoa, carregadinho de possessões.

Separo o poema da prosa derramada e ele sai pleno, inteiro, bonito. Ergue-se: não é mais um dragão cuspindo fogo... A mansidão dos justos transparece. E a beleza pasta em meios aos bois, no campo. E um bem-te-vi cata insetos no lombo da alimária... E, ao abrir o bico, ouve-se o seu estridente convite, no silêncio da pradaria. Só o sol e os outros ruminantes conseguem ver esta cena tão trivial e pacata.

“...

As asas do moinho dos meus versos batem soltas,

mesclando a prosa com a poesia,

não se amarrando em postes e endereços,

nem aderindo a movimentos

que não entendo e não conheço.

As palavras que nascem de mim,

- mesmo maturadas no caldo do século 21 -,

são fruto temporão, tardio,

chegadas aos dois anos de vinte,

quando a vida já ia partindo,

fazendo um tempo fora de época...

E guardam ainda, o sabor caramanchão

das roseiras que galgavam

pelas pilastras e ombreiras das portas,

para depois caírem em apaixonantes serenatas,

do sobrado de um velho casarão...”.

Que venham os teus desafios, Maria! Ganhamos todos nós. A comichão intelectual que se transmitia aos meus dedos (sobre o teclado) amainou-se. O poema cumpriu o seu fadário. Vive agora em mim como o bem-te-vi, inocente, afiando o bico...

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/10.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2179200