EPOPÉIA HUMANA
 
 
Miscigenação é o cruzamento inter-racial, também é conhecido por mestiçamento, mestiçagem ou caldeamento.
Queremos aqui falar da miscigenação que ocorreu em Imaruí, talvez de uma forma “sui generis” desde os remotos anos do século XVIII, pois ainda existem alguns vestígios históricos do acontecimento dessa epopéia humana.
Eu vou me ater apenas a Imaruí, porque conheço profundamente esse povo e suas raízes, entretanto, é bom ressaltar que igual fenômeno ocorreu também em diversas cidades da orla litorânea de Santa Catarina, inclusive na Ilha, hoje capital do Estado, mas com características muito semelhantes entre todos os caldeamentos ocorridos.
Vale lembrar que o nome "carijó" era dado aos guaranis que viviam no litoral catarinense pelos bandeirantes, os temíveis caçadores de índios vindos de São Paulo. "Carijó" (cari-ió) deriva de "cari", que significa "branco", em alusão à pele mais esbranquiçada dos nativos catarinenses.
Os índios chamavam a si mesmos de "avá" ou "abá", cuja tradução é "gente". Já os "bandeirantes" eram conhecidos pelos nativos por "tapuya" (bárbaros).
Esses eram os Índios da nação guarani que habitavam exatamente essa região, hoje conhecida por Imaruí, que antes foi apenas uma pequena aldeia de pescadores, para depois ser guindada à categoria de Freguesia de São João Batista, lá por volta de 1835. Essa colonização ou povoamento deu-se antes do ano 1800, na verdade, não existem documentos comprobatórios por falta de registros históricos. O único fato histórico que se tem conhecimento é que, em 1839, Jose Garibaldi patrocinou, mesmo contra a sua vontade, o famoso “saque de Imaruí”, e que em 1890 se emancipou de Laguna, pois toda essa região pertencia a Vila de Laguna, é bom que se atinem para esse fato da história:
Em 1676 – O bandeirante Domingos de Brito Peixoto chega à Vila de Laguna, em função de uma solicitação do rei de Portugal, para expandir a fronteira do Tratado de Tordesilhas. A vila se transformou em ponto de partida de expedições.
Com a chegada dos bandeirantes, a Vila de origem indígena foi organizada e povoada.

Bom, isso são apenas informações históricas que tem por objetivo localizar o epicentro do fenômeno, para logo em seguida entendermos a miscigenação ocorrida. É verdade que esse fenômeno social se alastrou por todo o Brasil, mas aqui na orla litorânea de Santa Catarina foi de uma forma sui generis, mas como se trata de uma análise sociológica, vamos nos ater à localidade de Imaruí e suas adjacências, porque estamos lidando diariamente com o fenômeno que pretendemos explicar nesse ensaio. Com a vinda dos bandeirantes (paulistas / portugueses), além das tralhas que normalmente se usava em expedição dessa natureza, o bandeirante, naturalmente de etnia portuguesa, trazia consigo também o negro como escravo, é verdade que esses escravos foram utilizados mais como mulas, pois cada bandeirante trazia consigo em torno de dez, vinte ou mais negros.
No século XVIII, entre os anos de 1748 e 1756, mais de 6.000 habitantes das diversas Ilhas dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira de Portugal, foram transladados para povoar o litoral da então Província de Santa Catarina, nas terras do Brasil, localizada no Atlântico Meridional. O fato é que muitas famílias aportaram em Laguna, mas não se sabe quantas foram. As principais etnias responsáveis pelo fenômeno social que logo em seguida iria eclodir, foram, tais como, portugueses de Portugal, brancos, Açorianos, brancos e também (Africanos) negros e o índio, esse último natural da região.
Com o tempo, essas três raças deram início à epopéia do caldeamento. E que epopéia! Entretanto, devemos entender que não foi um cruzamento legal, mas sim totalmente natural, todavia pelo que sabemos da história, entendemos que foi a atração e a libertinagem sexual que deram início à epopéia da miscigenação. A Igreja na época se mantinha calada, pois é sabido que ela não considerava os negros e os índios como seres humanos (gente), e também porque o seu clero participava ativamente desse caldeamento conforme nos contam os historiadores da época. E, contando com certas liberdades de colonizadores e com o espírito aventureiro do “tudo pode”, deu-se inicio ao fenômeno da mestiçagem entre os que aqui chegaram e os índios naturais dessa região.
Agora, vamos restringir o campo visual do nosso microscópio sociológico para o município de Imaruí, que, bem antes de 1800, já era uma aldeia de pescadores. Cidade essa em que se pode observar muito bem esse fenômeno da miscigenação desordenada entre as três raças já citadas. Queremos afirmar aqui que, Imaruí, atualmente, com relação ao seu povo ou a sua etnia, é sem sombra de dúvidas resultado da mestiçagem entre cafuzos e mamelucos. Esse caldeamento, por falta de um suporte científico, nós não sabemos classificar se, se originou uma nova raça, ou podemos simplesmente chamar de caiçaras, mestiços, mulatos, caipiras ou simplesmente de brasileiros.
Outrora, essa aldeia de pescadores, vivendo às margens de todos os sintomas de progresso, ela mesma se auto-sitiou, não permitindo assim uma possível miscigenação com outras raças que não fossem a dos mamelucos e cafuzos. Esse processo teve uma duração de mais de um século, por isso a penetração de outras raças se deu há mais ou menos uns cinqüenta anos. Hoje, já é bastante visível uma miscigenação com os italianos e os alemães e outras raças, mas evidentemente ainda com pouca expressão populacional ou demográfica.
Grande parte dos mamelucos ou marabás, (índios x brancos) em função da sua origem étnica e por uma questão tradicional, foram e ainda estão engajados e direcionados para a pesca, uma atividade que sempre foi exercida pelos seus ancestrais que, de certa forma, os incentivou ao bendito ócio, pois os índios e os portugueses açorianos já tinham essa predisposição, em virtude da nativa atividade da colheita e da pesca ou a extração pura e simples. Mas quanto aos cafuzos, (negros x índios) hoje ainda são observados como pescadores, mas diferenciam-se dos mamelucos pela atividade agrícola ou rocinhas de consumo ou manutenção, entretanto sem nenhuma expressão econômica, apenas uma atividade agrícola de manutenção, mas também foram inoculados com o “faz niente” do ócio, em função da influência indígena.
Ficou também constatado através de uma pesquisa entre os médicos aqui residentes que, em função da falta de perspectivas para as suas vidas, ficaram naturalmente limitados pela sua atividade da pura colheita, (pesca ou rocinhas), e inconformados com o seu “modus vivendi”, totalmente sem um futuro alvissareiro, foram ligeiramente atingidos por uma depressão endêmica e uma apatia sem precedentes que os levou a uma baixa estima de si mesmo.
A ausência de outros modos de ganhar a vida e a de prover a vida dos seus descendentes, isso levou essa gente diretamente aos consultórios médicos e ao apegamento demasiado às religiões e às crenças de terreiro.
Para os médicos, eles ainda vão buscar uma solução paliativa para o seu estado de apatia ou depressão. Lá no consultório do Doutor, não há outra solução, a não ser o receituário recheado de medicamentos psicotrópicos. É muito grande o consumo desses remédios (faixa preta) aqui nesta região, foi esse fato que me levou a pesquisar profundamente, psicologicamente e sociologicamente o comportamento atípico dessa gente de Imaruí, principalmente, a dos ribeirinhos dessa lagoa e aquelas que vivem de modo direto ou indireto do exercício da extração primitiva da pesca.
O maior consumo de psicotrópicos se verifica entre as mulheres, assim como também o apego demasiado às religiões e as benzedeiras, entretanto, quanto aos homens, verificamos uma tendência às bebidas alcoólicas, pois aqui, o consumo é considerado muito grande. É lógico que esse comportamento masculino, tem muito haver com a apatia natural e a demasiada baixa estima. A frustração e a falta de estímulo levam ligeiramente essa gente ao vício, um caminho muito contumaz para afogar os reclames inconscientes.
Também se deve observar que a falta de perspectiva alvissareira para o futuro, isto é, a falta de emprego ou ganho de vida e a baixa escolaridade está ultimamente levando a maioria dos jovens naturalmente desocupados, ao expressivo consumo de drogas psicoativas, tais como, maconha, crack e cocaína. Cresce dia-a-dia esse batalhão de debilóides viciados, no entanto, não se vê uma preocupação com esse mal por parte das religiões ou propriamente mais pertinentes ao poder público, também deve ser questionado o status das famílias dos viciados, que não apresentam condições e nem instruções para encarar esse problema moderno.
O vazio existencial e a falta de oportunidades sadias para a realização pessoal é tão grande que, até as meninas (moças), estão se prostituindo, pois é notório que se destaque o número exponencial de mães solteiras nesta região. É verdade que aqui devemos debitar esse comportamento à falta de educação, pois ditas meninas são oriundas de famílias desestruturadas e despreparadas para educá-las corretamente.
Outro fenômeno observado nessa região é o cruzamento entre parentes próximos, talvez aqui estejamos lidando com um costume tribal, naturalmente, essa mestiçagem dentro da mesma família, provoca o aparecimento de crianças excepcionais. Os mamelucos cruzam com os cafuzos, dando origem a outro tipo de gente que se cruza dentro do mesmo grupo familiar. Esse fenômeno é corriqueiro, e se continuar nessa práxis de vida não se sabe o que vai resultar.
Com relação ao apegamento místico ou religioso, devemos entender que, se no aqui e agora, não há perspectivas de melhoras de vida, o melhor que se tem é apegar-se a uma religião, transformando-se em ovelha submissa, que, mormente, ela, a religião, lhes promete a salvação da alma, e assim será recebido gloriosamente nas pradarias etéreas do Senhor. As religiões tidas como um poder moderador, elas prometem aquilo que nem mesmo elas têm certeza da sua existência, tudo é baseado na fé, e isso é um instituto virtual que lhes é introjetado homeopaticamente, cuja existência não se tem a mínima evidência. Os descendentes de mamelucos e cafuzos são facilmente atraídos pelas religiões, mas não as levam a sério, tudo é feito por uma questão social, distração, por tradição e por hábito. Ao mesmo tempo em que se dizem católicos ou de outra tendência religiosa, são naturalmente atraídos por falta de espiritualidade pelas benzedeiras, macumbas ou trabalhos ditos espirituais, são também inclinados a ver a sorte através do baralho em velhas espertas e safadas. Eles têm uma tendência natural em se apegar às crendices a as superstições.
Por uma obrigação de observador, nós devemos também mencionar que essa população, tanto a da sede como a de todo o município de Imaruí, foi submetida a um regime ou a um sistema feudal por mais de cinqüenta anos. Aqui queremos nos referir à família dos Bittencourt que, de maneira ardilosa e sem nenhum escrúpulo de consciência, castrou todas as possibilidades em negar a cidadania livre aos habitantes nativos. Assim, lhes foi imposto uma ditadura de coronel e fascista, transformando os habitantes em rebanho submisso num curral eleitoral. Isso muito contribuiu para o desespero de famílias, ocasionando uma debandada geral em busca de melhores dias, e assim, nessa ocasião, foi disparado o fenômeno da “diáspora” dos filhos dos mamelucos e cafuzos.
Hoje, em função do grande avanço progressista, ao poucos, esse pessoal vai de modo devagar, mudando o seu etos de vida. Isso está acontecendo por uma conseqüência do fenômeno da diáspora, exercida pelos mais jovens que sonham, um dia, melhorar a sua vida, pois sabidamente entendem que na sua região não há condições de prosperar no palco da vida. Por isso, Imaruí está resumido num município envelhecido, um verdadeiro enclave de pobreza e um macro asilo, pois os jovens migram para outras cidades mais contempladas com o progresso, e, para lá, se vão à caça de melhores dias – um bom emprego, estudo, casa própria, enfim, vão buscar a dignidade humana que lhes é devida e que aqui não lhes foi oferecida.
É verdade que Imaruí já mudou muito, pois o progresso, devagar, vai mudando o modo de vida e também as aspirações de um povo. Mas em função do baixo índice de progresso da região, do fenômeno da diáspora dos jovens, da castração pelo coronelismo político, observamos que nesse município a grande maioria da população é envelhecida, depressiva, de baixa estima e continua sendo ignorada e explorada pelo poder político.