DE COMO UM SÓTÃO SE ILUMINA

Carlos Nejar (*)

O Sótão do Mistério, de Joaquim Moncks, desdobra-se em partes ou premissas que caracterizam este livro estranho e belo: O Gume e o Gozo das Palavras (o ato de criar), Poemagens (o ser criado), Corpos Acesos (a relação do amor), O Olor da Pele (o sentido e o desejo).

Cada um tem seu sótão. Há os que o levam dentro, inexprimível. Há os que o portam pela vida, lucidamente. E outros que o buscam, da maneira obstinada e fiel. Porque o adivinham e tentam descobri-lo nos vocábulos. É o caso de Joaquim Moncks.

Bachelard o considera “território do inconsciente”. E o mistério é parte dele, esse sótão de nossos sonhos controversos.

Pois a poesia se resguarda de certas concepções menos atentas. E, hoje, talvez por necessidade silenciosa, talvez por incompreensão mais silenciosa ainda, “os poetas habitam nas catacumbas”, como adverte Octavio Paz. Ou nos sótãos da linguagem.

Eis alguns relances ou relâmpagos:

“É no silêncio

que se esconde este absurdo.

Esta paz de estrelas no teto”.

(pág. 80)

...

“Há um sem-nome de fatos

para rotular a espera”.

(pág. 84)

...

“Assim, a existência vai-se escoando

no plano do real

e se rasga, enfim,

a certidão de nascimento”.

(pág. 87)

...

Ou o poema Virgem (pág. 72), de forte erotismo.

...

Ou este antológico Corpo:

“A amada se constrói

Com um pouco de sal e chuva.

E o corpo é um barco

que perdeu a vela”.

(pág. 50)

...

“Andar é o que vale,

na luz, no ar”.

(pág. 49)

Quem ler esses versos, entre outros, encontrará um poeta senhor de sua palavra, simples e exato, desvendador e desvendado no mistério que nos subjuga a todos.

E quem se envolve nessa teia de augusta e terrível solidão, sem o temor de ser ferido ou naufragar?

Quem sabe do sótão, sabe dos labirintos, de Teseu, do Minotauro, do absurdo ou trama de estar vivo, das âncoras ou cancelas do amor, de sua libertação mais sobranceira.

Joaquim Moncks desenha a poesia na morte (“a morte vinha em comboio”, pág. 111, e a severa compreensão dos seres humildes: O Velho, pág. 96; “... negro mendigo...”, pág. 99.

Porém, é na garra da metáfora, que Jorge Luis Borges chama de “forma de eternidade”, é o doer das coisas, na dureza do verbo entre a pedra e a indignação, que este poeta precipita o canto e o grito contido. Com o das profundas estrelas.

(*) Acadêmico da Academia Brasileira de Letras. Quarto ocupante da Cadeira nº 4, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Viana Moog (que representava o RS na ABL), e recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella. Gaúcho de Porto Alegre, reside desde 1989 em Guarapari, no Espírito Santo.

– Prefácio do livro O SÓTÃO DO MISTÉRIO. Porto Alegre: Sul-Americana, 1992, p. 07: 10.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2581666