RETORNO AO PÓ
O poema chega e me instiga ao diálogo. Emociona-me:
“O SER E O HUMANO
Marina Pellizzetti
Oh, pai!
Que eu possa ser capaz de ver sempre através
dos olhos de meu filho.
Que eu não perca o brilho e nem o amor à vida.
Que as lágrimas sejam rompidas pelo meu
sorriso.
Como um pedaço de mundo que não escolhi.
Oh, pai!
Que eu nunca perca a fé, a bondade, a
simplicidade e o coração que abriga.
Que eu possa andar por ai meio que perdida,
mas que mantenha meu espírito de luz.
Oh, pai!
Que eu seja o silêncio de minhas viagens.
Que eu tenha o direito de me perder e errar
como Ser e Humano.
Me contradizer e me reinventar;
como poeta de meu próprio destino.
– via Orkut, em 03/06/2011, 06h38min.”.
Neste “O SER E O HUMANO”, de Marina Pellizetti, ocorre a comoção de quem fez e de quem recepciona os versos. Bilateralidade dos gumes da condenação ao viver que leva à súplica para continuar a “via crucis” e suas estações dolorosas. Congemina-se o humano no sopro criativo. Um ótimo exemplar. Tão funda é a invocação que semelha à oração, corolário do "Pai Nosso", tão próximo de todos nós pela condição humana e, ao mesmo tempo, deista: grão de areia no universo sempre inacabado e inconsútil. Uma só peça. Única e universalista, pejada de solidarismo, mesmo que lavrada na primeira pessoa. Aqui o “eu” é o “nós” dos companheiros de estrada. Costumo dizer que o bom poema é aquele que tem o seu curso temático no limbo entre a Filosofia e a Poesia. Aqui o exemplo cai como uma luva. Realmente, o Ser é o poeta de seu próprio destino, um pouco centelha de Deus, outro, o imponderável das estradas e os seus caminhares. Constroem o penitente à busca de aprovação de si e por si. “Mater dolorosa”, a inventiva criada e criadora a lhe lamber o ventre, gesta o poema num parto, visualizando a figura do filho, haurindo e afirmando o milagre da concepção. Transmuta-se nele – o riacho de amor que ela fez vir ao mundo. Expulsa ideias através dos signos criados e bem geridos. O amor à vida produz o condimento para a ceia diária e se tornam viáveis e aprazíveis os jardins em que o espiritual percorre o Destino – andarilho e crístico. Nada como bebericar o poema num gole e celebrar a humílima condição humana. Somos e estamos aqui para haurir os dias até o chamado para retorno ao pó. Caminhemos.
– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011.
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3013052