PERCALÇOS DE CONTEÚDO E FORMA

Chega o texto, aparentando um poema, via e-mail privado. A autora, antiga amiga, solicita a análise crítica. Vamos lá!

“PEREGRINA

Suelly Braga

Sou uma peregrina na terra.

Tenho passagem comprada,

hora e data marcada

para a grande viagem.

Sou uma peregrina sonhadora

que acredita na utopia

e sonha com a mudança.

Batalha e luta

pela transformação

da sociedade tão injusta.

Luta pela Paz e Justiça Social.

Sou uma peregrina poeta,

que canta as belezas

da natureza.

Labuta pela conservação

e preservação do meio ambiente

Sou uma peregrina

com Fé ,que crê

e respeita o ser humano.

Acredita nas bem-aventuranças.

Sou uma peregrina confiante,

cujo porto seguro é a Esperança.”.

Amiga querida e diligente confreira! O texto ora apresentado não está lavrado no gênero Poesia, porque faltam figuras de linguagem, mormente a(s) metáfora(s), elementos caracterizadores do gênero literário, especialmente na expressão poética típica, nos redutos linguísticos do português e do espanhol. É fácil perceber que – em versos e na prosa poética – a linguagem figurada (principalmente calcada nas metáforas) ocorre em todo o continente sul-americano. Já na Poesia em língua inglesa, alemã, nórdicas e outras contemporâneas, aparecem concessões ao prosaico em demasia, a ponto de se duvidar que o autor esteja escrevendo o poema – que é a materialidade formal na Poesia da contemporaneidade. O soneto era a forma usual de apresentação da chamada poesia clássica, metrificada e rimada, muito em voga no passado recente. É de se ressaltar, no entanto, que o autor destas linhas críticas não “lê” nos idiomas acima citados, fruindo os poemas somente pela versão para o português. Voltando ao “Peregrina”. Apesar de sua temática ambientalista, em fina sintonia com os valores dominantes na criação literária, e consoante a sensibilidade temática universalista da modernidade, o conteúdo apequenou-se, ficou muito estrito. O subjetivismo autoral – visto que tudo na primeira pessoa, possessivamente – encaramuja a proposta. Mesmo que lavrado prosaicamente, ainda o texto deixa a desejar, mercê de sua idealística proposta. Apercebo-me de que a autora pretendeu, realmente, escrever no gênero poético, pois que há “cirurgias”, na peça, que tornaram implícitos muitos vocábulos, ação ocorrida, possivelmente, na revisão da forma após o primeiro momento de “inspiração”. Imagino que as supressões ocorreram, mais do que para buscar forma poética, mas para tentar a “sugestionalidade”, com toda sua necessária implicitude verbal. A autora parece saber que o derramamento vocabular é inimigo da verdadeira Poesia. Ainda assim, com todos esses percalços de assunto e forma, o texto, formatado linha a linha, margem a margem, pareceu-me ficar melhor. Segue, portanto, a forma-sugestão a que chegamos:

PEREGRINA

Suelly Braga

Sou uma peregrina na terra. Tenho passagem comprada, hora e data marcada para a grande viagem. Sou uma peregrina sonhadora, que acredita na utopia e sonha com a mudança. Batalha e luta pela transformação da sociedade tão injusta. Luta pela paz e justiça social. Sou peregrina poeta, que canta as belezas da natureza. Labuta pela conservação e preservação do meio ambiente. Sou a peregrina de Fé, que crê e respeita o ser humano. Acredita nas bem-aventuranças. Confiante peregrina, cujo porto seguro é a Esperança.

– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3056298