A LUTA PELA PALAVRA

Em 09 de julho de 2011 Ruy Riograndino, riograndinor@gmail.com , escreveu:

“Caro amigo Joaquim Moncks! Estava ontem na espera de uma consulta, no Hospital de Clínicas, quando minha cabeça não deixava de me cutucar, então escrevi. São certos momentos e ou instantes que tenho de aproveitar, pois são rápidos e se esquecem por entre nuvens turbulentas do universo, e que passa para muitos desapercebido. Eis então:

COMO É DIFICIL

Custo a escrever...

Tornou-se difícil de me expressar

E soletrar a quem me vai na memória.

Não sei mais encontrar,

Letras, sílabas ou palavras,

Que me venham valer

Um algo ou um poema.

Sofro pela inércia,

Pago pela falta,

Me sinto incapaz,

De soletrar ou verberar.

Que te direi após dias decorridos?

Estás feliz pelo sucedido?

Não sei como proceder,

Sem ofender.

É importante uma conversa...

Justa e que valha,

É o que nos resta,

Pois fugir não interessa.

Saudações poéticas e abraços. Ruy”.

Análise crítica:

O texto não contém figuras de linguagem. Sem a presença delas, principalmente a metáfora, não há que se falar em Poesia. É por elas que se atinge o sentido CONOTATIVO, fugindo da usual linguagem do dia-a-dia, que é sempre lavrada no sentido DENOTATIVO.

Os versos são a voz do gênero poético, desde que a humanidade começou a oralizá-los e, depois, a escrevê-los. É voz diferenciada daquela do lugar comum da vida. Os versos reproduzem o cadenciamento rítmico. O ritmo é a clave musical da Poesia.

Portanto, no exemplar ora em estudo, nota-se, de pronto, que não se trata de um “poema”, que é a materialidade da poética dos dias atuais, composto em versos não silabados e nem rimados, como eram os da escola clássica. São os atualmente tipificados como “versos brancos”.

No caso, como é comum encontrar nos sítios da internet e em outros redutos de publicações, o autor escreveu, erroneamente, em versos. Por não se tratar de poema (visto não conter Poesia, vale dizer, linguagem poética), o escrito deve ser lavrado em frases, por ser um exemplar do gênero Prosa.

Resta-nos – na peça apresentada – somente a linguagem prosaica, que tem como forma de apresentação a composição em frases, linha a linha, margem a margem, parágrafo a parágrafo. Não há se falar em menoscabo à Prosa, quando o autor pretendeu escrever em Poesia, porém são espécimes diferenciados, cada uma com suas regras formais de apresentação.

Tentemos, então, compor uma peça em prosa que possa ser apresentada a um público medianamente crítico e com alguma paciência estética para aceitar o abrir do coração de um vivente de 83 anos que deseja comunicação pelo mistério dos signos.

A boa peça literária é sempre fruto de “inspiração”, na qual predomina a emoção, graças à faculdade intuitiva, e, num segundo momento criativo, ocorre a preponderância da intelecção. A esta experimentação última, em instante posterior à inspiração criativa, denominamos “transpiração”.

Por ela, cinzelamos a matéria ardente da Palavra, em seus significantes e significados. Vejamos o resultado:

“COMO É DIFICIL

Ruy Franceschini

Custa-me escrever. Tornou-se difícil expressar e soletrar aquilo que vai na memória. Sofro pela inércia, pago pela falta, sinto-me incapaz de soletrar ou verberar. O que te direi após os dias decorridos? Estás feliz pelo sucedido? Não sei como proceder sem ofender. É importante uma conversa justa e que valha... É o que nos resta, pois fugir não interessa. Não sei mais encontrar letra, sílaba, palavra que venha a valer algo. Fica o poema dentro de mim.”.

Agradeço ao autor a gentileza em compartilhar o seu escrito e permitir a confraternidade. Para o inadvertido escriba, escrever parece um ato automático, mas não é. A não ser o que o autor seja um gênio. E genialidade não se encontra assim no mais. Como em todo o trabalho humano, pertinácia e dedicação são essenciais ao bom combate...

O autor, Ruy Riograndino Franceschini, dos quadros associativos da Casa do Poeta Rio-Grandense, está na luta – pelo que acompanho – há cerca de 20 anos. Já esteve mais longe dos oásis estéticos. Merece loas e aplausos.

– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3085040