O PLÁGIO

A voz que dita o poema (ou a prosa poética) não é a do autor, e, sim, a do seu “alter ego”, que normalmente é a voz da emoção, da inquietude emocional. Portanto, ao apontar o plágio, o criador que teve eventualmente plagiado o texto, está a reivindicar o que não é dele, e sim o que veio à luz por seu espiritual. O espécime, ao ser publicado, não é mais dele, é dos domínios do leitor. O que o autor detém são apenas os direitos autorais, para efeitos patrimoniais.

Dir-se-ia ao consulente plagiado: se o texto não te dá dinheiro porque és amador, e não recebes nada pela tua criação, e se o plagiador também nada receberá em pecúnia, o que está em causa é o possível reconhecimento do talento de teu “alter ego”. E o que te morde e te provoca a rebeldia é a possessão sobre o texto que foi, em parte, tomado ou copiado. Estão em causa valores imateriais imponderáveis. E o que te dói é a possibilidade do sucesso de terceiro utilizando o teu talento. Resume-se, ao final, na possessão que se tem sobre o texto aparentemente nosso.

Afinal, muitas vezes, não teríamos cometido plágio quando confrontamo-nos com um texto de autor consagrado e o assunto expendido pelo “alter ego” (através de nosso talento) se encaixa perfeitamente com o resultado textual? O inconsciente coletivo está ali, posto como uma sombra, e somos o imã que capta a limalha sobre a extremidade do objeto. Há como fugir desse princípio psicofísico da captação das ideias de terceiro?

E o receptor, ao se apossar do teu texto, pelo qual tu ocupas totalmente a sua sensibilidade e axiologia estética, não estaria agindo efetivamente no sentido do que tu desejavas para o teu leitor? Não é esse o maior reconhecimento que tua voz interior desejava no teu próximo, ou nem tão próximo? Porque o leitor não está sob teu controle e nem sabes onde ele está ou estará. Não é esta a tal Confraternidade que desejavas de teu irmão? Ou o que vale mesmo é somente o ato ganancioso e consumista do sucesso pelo sucesso? Somos donos de nós, em estado de confraternidade, ou, enfim, a vaidade ou a ânsia de reconhecimento público nos toma?

Reconhece-se o plágio materialmente, se estiver em jogo o dinheiro, se alguém acaba enriquecido financeiramente com base na ilicitude de seu comportamento. Nesse caso, a ação é dolosa, premeditada, o plagiador vai lucrar em cima do talento de teu hóspede/criador emotivo-intelectual, o “alter ego”, que tu nem sabes quem é e de onde vem, porém ele está dentro de ti, ao menos nessa passagem terrena. Para os espiritualistas, teríamos o questionamento: será que ele não é o espírito de um sábio que já esteve aqui e hoje mora dentro de teu coração através da realidade neuronal de tuas células?

E se o plagiador é pessoa de nosso círculo de amizades e comete o apossamento de ideias à nossa frente e nos mostra o resultado estético com similar alegria àquela que nos ocupa quando exsurge o texto, no momento da concepção? O que ele está cometendo, se não o extravasamento do encantamento e de um possível ato de amor após receber a tua instigação ao pensar – por força de tua instigação que provoca o intertexto? Da palavra que não é mais tua, e sim dele e de todos os outros que desejaste como receptor inominado.

Em arte poética, os personagens do mistério da fala traduzida em escrita somos nós e todos aqueles que estão em nosso entorno espiritual e intelectivo. E repito: se alguém está tendo lucro com aquilo que consumiu de nossos alfarrábios espirituais, comete furto. O plágio é um furto qualificado pela má-fé. Mas tem de haver, de parte do plagiador, no mínimo, a intenção de plagiar, ou a voluntariedade predisposta ao ato pejado de reprovabilidade. A pensar de outra forma, estaremos punindo os outros “alter egos” que estão dentro do plagiador, e a quem ele não comanda. Assim como não somos donos do prazer estético que uma obra de nos causa. E nem o seu autor...

Para o que nos apraz nunca temos medida, tudo é permitido. Quantas outras vezes a Beleza produzida pela peça estética não estará voltando em nós quando fazemos o texto com as pinceladas do que lemos, ouvimos ou vimos? E neste momento seríamos plagiadores?

A peça textual está ali, posta a serviço da humanidade. A palavra artística não tem utilidade prática direta – executiva – e, no pensar-se sobre ela, nada é exatamente igual, pois depende da interpretação do leitor/receptor. “E o universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança...”, diz Fernando Pessoa, através de seu “alter ego” filosófico, no final de seu monumental poema “Tabacaria”, de 1928.

Aquilo que é original e realmente criativo, ninguém deliberadamente copia, porque a originalidade exposta ao tempo denunciará – hoje ou amanhã – o plagiador. Tristemente, são esses textos os que mais atraem os copiadores de plantão – os ferinos. Quanto mais afirmares o teu estilo, maior será o número de plagiadores que terás por perto. Estes estão em nossa volta como os urubus da morte. E nem gasta tempo em espantá-los, porque principalmente na criação poética, lidamos a todo tempo com a fauna do Bem e do Mal. Não só no mundo dos fatos, à hora em que a adversidade conduz à elaboração do texto, mas também no entorno dele – Palavra e Beleza – aninham-se os chacais da terra e do ar. Muitos têm capacidade para voar, porém não decolam, visto terem as entranhas empanturradas de lástimas e de apossamentos hauridos nas centelhas dos signos espirituais do próximo.

O plágio da linguagem poética é um furto famélico (como quem furta alimento para saciar a fome) e, como tal, deve ser relevado. A não ser que resulte em benefício financeiro para o plagiador, porque aí não se está mais no plano espiritual da Confraternidade que a Poesia contém: proposta de entendimento entre a humana criatura e os seus alter egos que se comportam como "enfants terribles". É, inapelavelmente, a condenação ao Inferno, como urdiu Dante na Divina Comédia, fazendo da arte a paródia da vida.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011/13.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3145201