O LEITOR COME PALAVRAS

“POEMA CARNAL

Vanda Ferreira (Bugra Sarará)

Planta do pé na estrada;

Mapa do destino na palma da mão;

Mangas morcego para lúdicos vôos.

Gola boba não afrouxa arrochado nó na garganta.

Devassa o labirinto da concha de carne,

Zumbem lembranças,

Congela o túnel do carpo.

Extremos pensamentos assoreados.”

– via Orkut, em 13/08/2011.

A tentativa de se encontrar com a Poesia está clara nesse "Poema Carnal", que tem algo de criativo em linguagem e temática. No entanto, está hermético em demasia – quase um enigma posto aos olhos do receptor. Vejo, com grande apreço, alguma ousadia na escolha (espontânea?) de vocábulos novos. O espiritual redimensiona o universo rural cotidiano no sítio – o ambiente de trabalho – e de pronto começa o processo pessoal de hibridização. O que me parece é que a poetisa está lendo mais nos últimos anos, sobre variados assuntos, e os vocábulos se enfileiram querendo voltar ao mundo material da realidade, em oralidade e lavratura. Sim, porque o retorno das palavras engolidas dos livros leva, no mínimo, cerca de cinco anos para voltar como peça autônoma dentro dos poemas. Na prosa voltam mais cedo, dependendo das experimentações do novato em tempo exclusivo para a Palavra. A utilização do vocábulo “CARNAL” dignifica o enigma e propõe a charada, mercê do verso “Devassa o labirinto da concha de carne,” que sugere tão estranhamente e fora de contexto, que joga a sugestão para fora do alcance do leitor comum. O adjetivo “assoreados” qualificando os “extremos pensamentos”, conduz realmente ao “assoreamento” que é, segundo o Aurélio; “obstrução, por areia ou por sedimentos quaisquer, de um rio, canal ou estuário, geralmente em conseqüência de redução da correnteza.”. Obscurece a cuca do leitor e não permite intelecção, bloqueando o sensitivo. É o preço que o criador novato paga nessa fase de intensas descobertas. Sim, porque “palavra é pra comer”, como diz Maria Bethânia. E eu me atrevo a completar: para sugerir a semente e o fruto...

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3160541