NO VENTRE DA PALAVRA

Em 09 de agosto de 2011, 05h:09min, Pietro Pompei <pietropompei@ymail.com> escreveu:

“Prezado Moncks,

Cumprimento o amigo remetendo o poema abaixo ainda inédito, mas que o escrevi há algum tempo quando sucumbi à tentação de escrever alguns poemas pela nova ortografia, a qual em tese ainda discordo e que comentarei mais tarde por versos que já compus na ocasião da aprovação do acordo.

QUITANDO QUITANDAS E QUINTANARES

Pietro Pompei

Cada palavra era uma bola quicando

Que nunca aprendeu a chutar para o alto...

Despacha pra arquibancada zagueirão!

Um beque que falava sempre “quitando”

Sem jamais ficar quites com o vernáculo...

Sinonímico equívoco em estar quitando

As contas de telefone e energia elétrica

Como um absurdo vício de linguagem

De quem paga o caderninho da quitanda,

Mas esquece da prestação do automóvel

E do aluguel durante quatorze meses

Distraído em ler Quintana e quintanares

Nas quintas opulentas da contradição,

Pois poetas são leitores que, às vezes,

Ruminam bestialmente relva dos quintais,

Ainda mais num tempo de usar adição...

Recorde Malevich e o cubismo de Picasso,

Embora isso irrite o classicismo de aço

Da melancolia saudosista do Parnaso

E desafie generais grotescos a gritar grave

Em defesa da frieza que estampa a alma,

Quando a juventude clama sonhos vívidos.

Sumariamente sentenciado à horizontalidade,

Cada quintanar denso em sentido vê vida

Onde a estética enxerga falta de arte poética,

Somente obtida na verticalidade da forma

E no conceito formal da ruptura na oralidade.

Singrando como um rio caudaloso

O poema consciente vaza em toda a extensão,

Tanto que pode transportar tudo,

Calmamente, ao contrário do padrão nervoso

Do verso que exige ritmo e refrão

Reptando criticamente: Ó estro te tornes mudo!”

Pietro Pompei, poetamigo primoroso!

Eis uma obra com um belo exercício de ritmo – desde o título – assonâncias consonantais e aliterações bem assentadas numa consoante muito pouco utilizada, com a utilização de trissílabos e polissílabico. Sem dúvida, um belo exemplar da experimentação do estro poético. Brigo um pouco com o formato, já que mais me parece um espécime em PROSA POÉTICA (ou um POEMA PROSAICO), no entanto, se fazem presentes várias figuras de estilo e a linguagem em sentido conotativo está bem posta e viva, reforçando o gênero poético. Um exemplar textual de difícil classificação literária. A remissão a Malevich, o vanguardista pintor do abstracionismo soviético, mentor do Suprematismo, e ao cubismo do mestre Picasso, demonstra que o autor tem leitura e conhecimento. Transparece, imbricada, alguma alusão intertextual subliminar a Walt Whitman, em "Ruminam bestialmente relva dos quintais,...", rememora, talvez, a presença poética marcante haurida no livro "Folhas das Folhas da Relva", no idioma inglês, 1885, do qual temos uma boa tradução por Geir Campos, pela ed. Brasiliense, em 1983. Percebo, também, traços de Paulo Leminski. Pretende o talentoso criador – com a citação literária de personagens – questionar conceitos formais e os trazer à tona. Esquece, talvez, da precariedade da Poesia como gênero para tal discussão. Mercê da criteriosa elaboração do poema, há muitos elementos fluídicos, os quais tornam difícil a percepção do poema como peça autônoma, mormente quanto ao conteúdo. Eis um dos dilemas da Poesia, em sua materialidade formal: DIZER MUITO SEM CAIR NO PROSAISMO DERRAMADO. É oportuno ressaltar que em nenhum momento o autor caiu nesse lapso conceitual. Exatamente está em causa o outro polo: a codificação textual pode excluir a percepção do receptor. Nesta peça verbal o hermetismo perpassa em vários momentos, no entanto, não chega a ser um po/enigma ou charadismo poético. Essas limitações diminuem a força crítica em relação ao ACORDO ORTOGRÁFICO, que só me chega à memória como fato – e suas contradições – porque o autor enfoca tal assunto na peça prosaica que encabeça a apresentação do poema. A densidade verbal faz subsumir a minha percepção e a provável tradução finalística desejada – de plano – resta prejudicada. Porém, como na “arquibancada” todo o lance fica distante, meus olhos e neurônios sorvem a alegria da Amizade e da Poesia. Como o cubismo de Picasso e suas intrigantes e históricas sequelas. Afinal, em Arte, o que não intriga sequer existe...

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3167777