INTIMISMO E POESIA

Uma colega das Letras pede que examine os seus “rabiscos” (a qualificação é da interlocutora) e lhe dê opinião sobre o seu estro. Eis que chega a mim, por via internética, o texto abaixo e me debruço sobre ele.

“IMERSÃO...

Cláudia Vidinhas

Mergulho no fundo do seu lamento

Na tristeza fria e sombria do seu olhar

Em frações de desespero numa longa noite

Sem pensar no término da história... Entro em conflito.

Angustiada não querendo mais me ver

Passo a descrever minhas saturadas lágrimas

Condescendendo meus sonhos em lembranças

Misturando as suas saudades... Em minha pele de fogo.

No porto seguro do meu enlouquecido coração

Em versos impuros confirmo meu amor

Mas você não acredita no desenrolar do texto

E mais uma vez... O luar prateia minha solidão.

– remetido pelo Orkut, em 21/03/2012.

"IMERSÃO" é um texto que contém o agridoce da manifestação amorosa, com uma deliberada confissão da inquietação na arte de amar. A construção verbal – agradável de ser lida – tem a amargura concernente ao coração dilacerado do naipe feminino, relatando a sua humana condição... Nele está concentrada toda a subjetividade da concepção artística, em primeira pessoa. Formalmente, ressaltam os adjetivos e algumas metáforas rasas – monovalentes – superficiais: “pele de fogo” e “... O luar prateia minha solidão”. Percebe-se que a sua criadora pretendeu expressar-se na modalidade POESIA. Entretanto, não é um texto para ser lavrado em VERSOS, porque não se trata de um poema, que é a forma de apresentação da Poesia, a materialidade do gênero literário que consagra o verso – linguagem codificada – mais difícil de ser captada pelo leitor, diferente, portanto, da linguagem aberta da PROSA, mais fácil de ser entendida e consumida. O texto em exame deve ser apresentado, formalmente, em linguagem prosaica, ou seja, todo o texto formulado em frases, ocupando toda a linha, de margem a margem, formando parágrafos, e não em estrofes, como aparece acima. Ao demais, é uma peça intimista, pessoalíssima, e de um confidencialismo derramado, como ocorre em todo e qualquer texto apresentado em primeira pessoa e regido pelo temário lírico-amoroso, enfim, construção textual que expressa o amar e suas nuances. Vale como COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL, porém não se lhe pode atribuir valor literário. Tem seu valor específico como RECADO AMOROSO, desejoso, convite às concessões e benesses do jogo amoroso. No entanto, a Poesia não nasce assim, de uma hora pra outra na cabeça de seu criador, revelando o poeta e sua Poesia, a não ser no caso de alguns gênios, e estes nascem somente um a cada mil anos, segundo dados estatísticos... Em regra, para o autor chegar à Poesia, o mecanismo da intuição e da inventiva passa por várias linguagens, se expressa de várias maneiras, sendo que a modalidade Prosa Poética é a que mais aparece no texto dos postulantes à arte poética. Portanto, não te preocupes: estás no caminho para a revelação da Poesia no teu texto. Persevera! Toca o barco... A saga da sensibilidade é tal o mapa do tesouro. A rigor ninguém sabe de antemão onde ele se encontra...

– Do livro ALMA DE PERDIÇÃO, 2011/12.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3570383