O CONFESSIONALISMO AMOROSO

Recebo, com alegria, a peça de uma colega de Letras que vem se dedicando bastante ao gênero poético, e com a qual temos tido uma saudável e amiga convivência intelectual. Instigamo-nos mutuamente, visando aos esclarecimentos e fruindo a natural aprendizagem. Vejamos:

“SONETO DE UM ANJO

Cler Ruwer

Não precisas asas, para ser meu anjo.

Pois a minha mente pode a ti, levar.

O meu pensamento fazê-lo voar.

Para o coração, inventar novo arranjo.

Como doce arcanjo, embrenhado ao mar.

Em barco enfeitado, com fios de ouro.

Navega meus sonhos, tal qual um tesouro.

Fazendo entre as veias, o amor ancorar.

Junto à maré, faço você sorrindo.

Para ver teus olhos como um troféu.

E gosto de mel, nos teus lábios lindos.

Vou ler tua boca, para entender.

Que lugar de anjo, é morar no céu.

Mas amor em sonho, é tão bom viver.

– recebido pelo Orkut, em 31/03/2012.

A peça acima é um belo exemplo de RECADO AMOROSO lavrado em versos e na forma sonetística, silabação fônica e rimação próprias e inerentes ao modelo da forma fixa clássica. Vê-se que a forma está bem construída, muito melhor do que o conteúdo, e se apresenta em linguagem aberta, derramada, direta, utilizando o SENTIDO DENOTATIVO, fazendo a louvação ao amor, que é sempre de um conteúdo agridoce, e por vezes bem agradável ao receptor, mas não vai além ao focarmos quanto à linguagem poética... Nem contempla, por falta de elementos poéticos, a modalidade literária PROSA POÉTICA, em que o ritmo é inespecífico e as figuras de linguagem podem ser menos incidentais do que no texto em Poesia. Nesta obra temos, à larga, a constatação de versos com rarefeito vigor e corpus poético. É o CONFESSIONALISMO, o escancarar do intimismo do “eu e tu”, aquele nunca foi e nem será Poesia. E onde encontrar as balizadoras figuras de linguagem, especialmente metáforas e metonímias, e a necessária imagética que tem de fluir da proposta poética? No entanto, há uma expressiva gama do público que adora este assunto e forma, principalmente os menos jovens, especialmente mulheres solitárias. Porém estamos falando de Poesia e temos de concatenar os cânones identificadores do gênero. Perdão, porém no duro ofício do analista crítico, temos de caminhar nas sendas da Poética com o tecnicismo formal e conceitual que a ela se aplicam. “Embrenhados no mar, viajamos em barco enfeitado”, como quer a poetisa, “e morar no céu” é o nosso amoroso desejo. Como se fôssemos anjos no céu da boca... A forma da peça não tem a potestade de abençoar o conteúdo com o condão da Poesia. Voejam dentro dela as imagens que seguram a varinha mágica...

– Do livro A POESIA SEM SEGREDOS, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3587543