RELAÇÕES AFETIVAS – UMA IMAGINÇAO SOCIOLÓGICA.

Por Carlos Sena


 
No inicio são as flores. Que bom que tudo são flores porque senão as relações não poderiam sobreviver às pedras futuras do caminho. Conhecer alguém é um pouco disto. Dependendo das pessoas e do que elas querem de uma relação afetiva, tudo caminhará para a construção de uma proposta de relacionamento tranquila em sua diversas modalidades. Para quem estiver saindo de uma afetiva relação difícil, trabalhosa, que não evoluiu, melhor sair completamente dela partindo para outra de forma livre, inteira. Separar-se de alguém e juntar-se imediatamente com outra pessoa pode até dar certo, mas as possibilidades são mínimas, embora aconteçam.

As flores do início murcham. Competirá aos entes envolvidos no relacionamento cuidarem disto no início e se permitirem a novos cultivos de flores variadas. Virão ventos e tempestades, mas se estiverem bem regadas, bem nutridas, certamente sobreviverão. O tempo passa e leva as relações a diversos estados de contentamento ou mesmo de decepção. Ter dentro de si essa dinâmica é importante, pois conduz os atores ao entendimento de que não há relação pronta e quando ela assim nos apresentar tenhamos cuidado. Isto posto, em se construindo, as relações poderão ser firmes ou ruírem com o passar da convivência. Nesse momento, não podem surgir dúvidas acerca do que leva as pessoas a quererem ficar juntas de outras. Se o que pode levar alguém a escolha certa de sua “cara-metade” for, por exemplo, MEDO DA SOLIDÃO, melhor desistir. A solidão é tão do homem quanto o ar que respiramos, como a própria morte. Logo, não se pode creditar ao ideal de encontrar alguém a fatores como estes e assemelhados. Ou até se pode, desde que estejam conscientes do erro. Mas, se há consciência, errar é burrice.

O objetivo da relação deve ser a própria relação. Disto poucos têm consciência e talvez  por isto tão pouca pessoas consigam viver em paz uma relação a dois. Mas o que é a “paz de uma relação a dois?” – Talvez uma “guerra” santa! O marido segura a onda da mulher porque gosta dela e o que vem dela embora contrariando o que vem dele se suporta. Mesmo esse “suportar” não pode ser extasiante, mas ser resultante de mais prazer do que dor. O contrário é igualmente verdadeiro, talvez noutra ordem. Esse diapasão de relacionamento é pouco compreensível na sociedade moderna de consumo. Afinal, a modernidade tem sido uma produtora de indivíduos inseguros, medrosos, pouco afeitos a relações de substância e muito envolvidos em adjetivos que se perdem na primeira crise conjugal. O capitalismo não tem interesse em que a sociedade seja decidida, séria, criteriosa, sabendo o que quer, senão vendia pouco produto e más idéias e dominava pouco nossas vontades. Há exceções, claro, mas que não ensejam resultados.

As relações entre pessoas dispostas ao casamento são mais complexas do que as demais até onde percebemos. Por outro lado, o ser humano ainda não se livrou do compromisso que a humanidade secularizada colocou nos seus ombros: o homem nasce, cresce, produz e morre... Nascer não é problema. Crescer muito menos problema é. "Reproduzir Filhos" complexo fica quando nele se insere a lógica do casar ou não casar – eis a questão. Casando vêm os filhos. Com filhos se garante uma velhice acompanhada de “enfermeiros” até que a morte aconteça... Como se vê, o homem é permanentemente refém do destino, da morte, do medo, da solidão... Em função disto casa-se, mesmo que separe depois, mas casa-se, cumpre-se o ritual... Os filhos que advierem garantirão a expectativa social de gente casada. Até pra não dar bobeira da sexualidade, o individuo casa, pois retira dos outros a língua grande e as possibilidades de ser taxado de gay mesmo sem ser, ou sendo, mas no armário da desilusão consentida...

Toda flor é bela quando retirada do jardim. As relações podem ser vistas com um pouco dessa metáfora. Se no inicio são flores e do meio pro fim viram espinhos, a culpa não é das flores, mas do floricultor que não se deu ao trabalho do replantio. Portanto, as relações se transformam, porque nada existe sem permanentes transformações! Ter a noção exata do tempo que a relação deve durar é difícil, mas quem estiver dentro dela tem que saber do seu viço, das suas possibilidades de ir adiante com legitimidade. Porque há muitos casais que já não vivem na legitimidade há tempos, mas se mantêm juntos por motivos diversos que não o da relação. Estão juntos por conta de filhos, de bens materiais, etc. Nem sempre isto é verdade, mas parece muito que assim seja, quando as relações não sobreviveram mas, a sociedade conjugal tem medo de ser declarada “falência”... Tal qual um firma.

O tempo passa e com ele as transformações físicas logo se encarregam de aparecer. A lei da gravidade bate pesado na mulher. Também no homem, mas ele a leva com mais naturalidade, embora sua vaidade fique abalada. Mas enquanto sua masculinidade não der sinais de falência, ele administra a esposa dentro de casa com as amantes de fora dela. Lá fora ele arruma outras motivações que o fazem fazer de conta que é bem casado porque assim não altera o status quo. Se a esposa for dependente econômica do marido, esse poder de dominação vai aos extremos. Assim, as relações ficam "gasosas" meio feito flatulências, peido mesmo mas, não se tem a coragem de jogar tanto tempo fora. Engano. Tempo pode ser jogado fora ou dentro. Descobrir essa pertinência é definidor de tudo, pois a maioria dos homens alega que não deixam suas esposas por conta dos filhos. Não. Filho não seguram nem homem nem mulher. Filhos se seguram, embora distantes dos pais. Pagam um preço alto por terem vindo pro mundo por meio de pais meio irresponsáveis, mas eles, os pais, também pagagarão o seu preço mais cedo ou mais tarde. Um dia os filho irão também pro mundo e, esperamos, não repitam os padrões que viram em casa, quando forem se casar ou apenas se relacionar com esse fim.

Portanto, flores são importantes e é bom que o começo das relações entre pessoas seja assim. Sendo competentes, essas flores comporão um jarro e novas flores surgirão em permanentes replantios afetivos. Não há flores sem ventos fortes ou tempestades que as incomodem, da mesma forma que não há relações em que não se possam retirar as pedras do caminho...  Esse “jogo” do amor, da busca da “cara-metade”, banda de laranja, etc., não nos impedirá de alcançar a velhice com todos os seus dissabores. Ou com sabores tão minguados... Deve doer a solidão dos velhos. Deve doer infinitamente mais a solidão daqueles que entregaram suas vidas às relações tumultuadas por medo de envelhecerem sozinhos. Ora, se quem de moço não morrer, de velho não escapará. Contudo, ter tido todas as ilusões acerca de um final feliz e ficar velho e solitário deve ser desolador. Por outro lado, aqueles que envelheceram sozinhos porque não quiseram se “proteger” no manto de um casamento, devem estar bem melhores por uma certeza: optaram por si, diante de não encontrarem a pessoa ideal para estabelecer uma relação...

Uma das grandes descobertas da vida que o ser humano deve fazer é saber se tem vocação para o casamento. Porque VOCAÇÃO é importante nesse conjunto de papéis que ocupamos. Certamente que se pode dizer que não se sabe dessa vocação, mas se pressente. A vida a dois que vemos em nossa volta e, muitas vezes, em nossa casa, já serve. Afinal, vivemos numa sociedade eminentemente simbólica em que tudo se passa em nosso derredor e pode nos servir de parâmetro para determinados aspectos como casar ou não casar. Sem que isto se consubstancie uma questão maior com base filosófica. Não fosse assim não haveria padres, freiras, autoridades, etc., que optaram por não casar, ou casaram-se com ideais variados de amor e solidariedade humanos...