A POSSESSÃO NO TEXTO

Recebo, via e-mail, com o devido pedido de exame, a peça textual abaixo. Examinemo-la com a atenção que a solicitação requer, ainda mais que a autora é figura muito cara ao meu coração antigo.

"SUTIL LOUCURA

Lourdes Borges

Numa sutil loucura

meu olhar te procura

naquele sofá;

encontro lá

um triste vazio.

Acendo o pavio

da minha saudade

na chama desse amor

sinto o calor

daquele abraço

forte laço

unindo o compasso

de nossas almas."

– Enviado por Lourdes Borges em 23/09/2012

Código do texto: T3897146

– Texto revisado, sugerido pelo analista:

SUTIL LOUCURA

Lourdes Borges

Em sutil loucura

o olhar procura

aquele sofá

e encontra

o triste vazio.

Acende-se o pavio

da saudade

na chama desse

amor fugidio:

calor

de fortes laços,

abraços

unindo o compasso

de almas

lassas.

Examinei com acurada atenção crítica o texto remetido, que, por sua apresentação, exclui a Poesia como gênero literário, eis que não encontramos na peça o sentido conotativo, caracterizado pelo uso das figuras de linguagem. Ela se mostra em linguagem direta, derramada. É assim que se apresenta o texto: em Prosa, mesmo que aparentando doçura na comunicação com o receptor. A autora utiliza somente o sentido denotativo – exposição do assunto direto ao ponto, raso – sem nenhuma codificação, sem nenhum cuidado em velar o objetivo, de modo a que se possa identificar linguagem artística esteticamente apreciável. Portanto, quanto ao aspecto literário, trata-se de um singelo RECADO AMOROSO. Em quase todos estes espécimes que os novatos (e alguns veteranos também) pretendem seja exemplar de Poesia, observa-se doce linguagem em relação ao amado, nada mais em termos de profundidade estética, que possa vir a caracterizar o texto como arte. Versos com rarefeita poetização, por falta de verbalização e conhecimento do gênero. Falta, por certo, a necessária leitura de textos poéticos de autores consagrados, a fim de que, na sua posterior inspiração e criação (já entronizados e fixados os elementos que se apreende pela leitura) a METÁFORA se faça presente. O que temos aqui lavrado é a tentativa de comunicação somente entre a autora e o objeto de sua afetividade: “... daquele abraço/ forte laço/ unindo o compasso/ de nossas almas.// E é o “pavio da minha saudade...” que recria momento vivido e que a autora vivifica, na recriação – fantasia poética. Tudo em primeira pessoa, utilizando o “eu” explícito ou implícito, e os pronomes possessivos com os quais declara o objeto (lírico) de sua possessão. O amado, nesta construção, é apenas o objeto de posse da autora, nada há de concelebração, de convite à vida. O recado de amor, tão presente na chamada poética feminina, é em regra, a opressão sobre o objeto – fictício – de sua possessão ou propriedade. Inocorre, no caso, pungência ou entrega ao outro polo amoroso – porque o egocentrismo a tudo exclui. E para que se perfaça o texto poético tem de haver o convite à celebração, à confraternidade, mesmo que no lirismo amoroso. Falta ao texto original a cursividade agradável do RITMO batendo ao ouvido, no caso da leitura em voz alta. Nesse sentido, utilizando a técnica das emendas supressivas e, no final, a das aditivas, pretendo – como analista crítico – que o poema, a par do conteúdo, obtenha maior leveza e ritmação, principalmente no final. Daí que temos, logo abaixo do texto original, o resultado do estudo específico, formatado em versos brancos, sem rima, tal como fora apresentado anteriormente. Como bem se poderá observar, a peça ficou melhor esteticamente, mesmo que ainda constitua um singelo espécime em linguagem poética rarefeita. É o que se conseguiu fazer a partir dos elementos estéticos contidos na estrutura original. Parabéns à autora, que se vem mostrando preocupada em melhorar a forma verbal de seu texto, graças à transpiração sobre a inspiração original, tanto que pede o auxílio do analista.

– Do livro QUINTAIS DO MISTÉRIO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3901556