IMAGÉTICA NO POEMA EM PROSA

Recebo, com alegria um amorosa mensagem de uma estimada confreira de Poesia. Vejamos:

Amanhã tudo,

ou quase tudo pode mudar.

Menos o tamanho

e a profundidade das rugas.

Amanhã,

o desenho da alma

pode estar diferente,

as letras do poema

podem não ter mais

aquela prioridade inocente.

Amanhã,

tudo que sonhamos,

tudo o que realizamos

ou deixamos de realizar,

cada alegria,

cada sofrimento,

pode ser resumido simplesmente,

ou ficar esquecido no tempo.

Amanhã,

até as inevitáveis rugas,

vão desaparecer.

Viver,

é um delírio coletivo.

Amanhã,

a vida pode estar concluída,

encerrada.

Amanhã ou depois de amanhã,

reflexões e dúvidas

talvez estejam levitando

inexplicavelmente,

numa estrela longínqua

e tão imensa,

mas tão imensa,

quanto um grão de areia.

Cecília Fidelli.

– via Facebook, em 15/10/2012, 02h15min.

Amada Cecília! Não posso me furtar a um exercício analítico, fruto da confraternidade que vimos exercitando, em Poesia, já faz algum tempo... Posso? Espero venha a ser útil ao teu espírito, na intenção se auxiliar no aprimoramento, já que te acompanho e percebo que a Poesia é um dos teus fascínios, em Literatura. Eis um bom texto para a reflexão do leitor. Bem explícito, em linguagem direta, denotativa, o que, por si, não compactua com a Poesia como gênero literário, porque ocorre a utilização da linguagem em sentido denotativo, mesmo que as seis anáforas (repetições do vocábulo “Amanhã...) pretendam uma proposta de futuro, deixando claro o jogo temporal, indo além do “dia seguinte”, como o vocábulo sugere aos menos avisados, acaso visto em seu sentido literal. Todavia, percebe-se que a autora quis dizê-lo em versos, sugerindo forma e formato de apresentação da arte poética. No final, o discurso adquire uma certa proposta sugestiva com base no uso do comparativo: “quanto um grão de areia.”, em jogo fraseal de oposição a uma “estrela longínqua/ e tão imensa,/ mas tão imensa,”. Nesta estrofe há um bafejo de imagística de ideias – e não de palavra. É uma lástima que, em vez de utilizar a METÁFORA, a autora tenha optado pelo comparativo, o qual, pela linguagem aberta – mesmo que com rarefeita, porém perceptível sugestionalidade – reste afastado um rasgo mais vertical, em profundidade metafórica, o que levaria, por certo, a um exemplar com maior poeticidade. Seguramente é um belo exemplar de POEMA EM PROSA. Parabéns!

– Do livro QUINTAIS DO MISTÉRIO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3942156