LICENÇA POÉTICA À PALAVRA?

“TOQUE NEGRO

Jonata Santos

Toque negro

da silhueta conformada.

A voz calada.

O grito que volta

para dentro do peito rubro.

Som sem sentido.

Pessoas que saem,

gemidos, gruídos,

pouca vogal.

2011/ 25 Anos.”

O poema está bem urdido. Hermético, mas deliberadamente bem tecido. Claro que a linguagem não é para qualquer um, e, sim, se destina ao receptor que já tem certa afinidade com a codificação de linguagem. Seguramente há poesia no texto e está corretamente disposto em versos. É um POEMA, sem sombra de dúvida. Espécime de minimalismo intimista. Há um hermetismo muito acentuado para um poema de apenas nove versos, um poemeto, portanto, e que não pretende o ser surreal. O criador depõe, para registro público, a sua história pessoal. Parece-me que se trata de uma confissão pessoalíssima, em que o autor avalia os seus 25 anos de contagem de tempo, segundo se deduz da anotação ao pé da peça em exame. Passa pela cabeça a INDIZIBILIDADE da arte poética, como gênero literário, que, por si, não deve aclarar o conteúdo, nem deve ter esse intuito. Destina-se, sim, a fazer sugestionalidade, proposta, para se completar como conteúdo e mensagem na cabeça do leitor. Para um leitor neófito (ou novato), o possível erro grosseiro no vocábulo "GRUNHIDOS", que o autor grafou (erradamente?), a confusão torna-se ainda maior... Salvo se o criador pretendeu aglutinar a palavra: GRUNHIDOS + RUÍDOS, numa tentativa de criar o neologismo: GRUÍDOS. De qualquer modo, se este foi o desejo, vale a licença poética, se bem que difícil à percepção do leitor comum. Parece-me que o final “pouca vogal” significa o aponte da melhor legibilidade e entendibilidade das vogais (sempre sons abertos, no idioma português) em confronto com as consoantes e seus sons guturais, e, por vezes duros. Talvez seja este o “toque negro” apontado no título da proposta poética: o “engrolado” por não poder falar abertamente o que lhe vai no íntimo. A codificação, tecnicamente, é recurso que faz parte do ferramental poético exatamente pra velar o que não se quer ou não se pode falar. O autor (ou o seu alter ego) parece saber disto, ou intui que não deve dizer, e, sim, velar – deixar de aclarar – dando apenas dicas para o seu leitor fazer a fruição do conteúdo...

– Do livro QUINTAIS DO MISTÉRIO, 2012.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3947798