RELAÇÕES SÓLIDAS, LIQUIDAS E GASOSAS – um breve ensaio.
Por Carlos Sena


Bauman escreveu “AMOR LÍQUIDO” – uma análise sobre as nossas relações em tempos modernos. Relações que mais seriam “ralações”, posto que mal se sedimentam e logo se perdem feito água correndo pelas mãos... Um conflito de modos de pensar e agir em que a afetividade que no primeiro momento é o principal motivo de felicidade, ao mesmo tempo se converte em objeto que incomoda. Em incomodando, a principal ação dos entes é se livrar dela para não comprometer suas supostas liberdades. O conflito fica estabelecido, grosso modo, no dilema de ter alguém, mas não abrir mão de não tê-lo ao mesmo tempo, pois isso permite que em nome da liberdade se fique, afetivamente com mais pessoas. O amor líquido que Bauman tão bem codifica é o amor que leva uma pessoa da relação a terminar com ela, por exemplo, deletando-a do facebook ou simplesmente ligando o celular e dizendo “acabou”...
Esse conceito de “amor líquido”, certamente se contextualiza nos estados físicos da matéria: sólido, liquido e gasoso. Deixando o amor líquido no domínio de Bauman, sinto-me estimulado a contextualizar os outros dois amores: sólido e gasoso. O que seriam esses amores? Grosso modo vislumbro o amor sólido como o amor, digamos assim, à moda antiga. Já os amores gasosos seriam, talvez, aqueles amores mais para platônicos do que mesmo para os sólidos e os líquidos. O amor sólido, no nosso entendimento, é o amor consciente – nutrido por duas pessoas que se encontraram, se apaixonaram e decidiram “juntar as escovas” pra sempre, mesmo sabendo que “pra sempre” sempre pode acabar. Amor sólido é mais aquele amor conservador em que as traições até podem ocorrer, mas com o devido respeito ao ser amado. Neste caso, seriam mais aquelas traições movidas pelo “caldo cultural” tão próprio dos nossos homens. Algo tipo: ao homem tudo pode e à mulher nem sempre. Os amores sólidos podem acontecer entre pessoas jovens, mas no geral, eles são mais encontrados entre pessoas de gerações passadas – talvez os pais dos hoje filhos que se nutrem das relações líquidas de Bauman. O romantismo é próprio da maioria das relações sólidas, bem como ela é nutrida, quase sempre pelas juras de amor eterno e de fidelidade eternas – subjetividades que em qualquer tipo de outras relações também se pode encontrar. Mas, nas relações líquidas, a paixão toma conta do princípio do encontro. Isso leva os seres envolvidos a, em pouco tempo, tão logo ofogo da paixão abaixe, se desapaixonem sem maiores cerimônias: por telefone, pelo facebook, ou semelhantes. Contudo, não se pode garantir que as chamadas relações sólidas não caiam rápido imitando aquelas que chamamos igual a Bauman, de líquidas. Também não se pode garantir que as relações líquidas não se possam converter em sólidas, mesmo seus participantes sendo jovens da atual geração cujos pais, no geral, advêm das relações sólidas, como estamos demonstrando.
Dessas teorizações todas, fica evidente que nenhuma delas pode ser vista como modelo, mesmo considerando que o ideal sejam as relações sólidas. Porque há relações sólidas que no meio do caminho viram líquidas e vice-versa. O “meio de campo” dessas conceituações são as relações que agora denominamos “gasosas”... Estas são meio platônicas. Podem acontecer no meio das outras duas conceituações. O pior mesmo é que nas relações líquidas quando isso acontece o efeito negativo é mais cedo do que se possa imaginar. Talvez uma relação platônica não passe de uma “ficada”. Depois da ficada a pessoa vai pra casa, mas fica sonhando com o que aconteceu na noite anterior. Quando um dos dois ficantes fica mais interessado então enfrenta alguns dilemas: é evitado pela outra pessoa e, não raro, deletado das redes sociais. Também pode ocorrer que haja afastamentos dos grupos sociais por parte de um dos dois ficantes, pois isso evitaria o “constrangimento” de encarar face a face aquela outra pessoa que não rolaria mais noutra noitada... No geral, os “usuários” do modelo gasoso de relação são pessoas inseguras. Na maioria das vezes até inseguras quanto a própria modelagem sexual, ou seja, não sabem se querem se relacionar com homem ou mulher. Por isso, certamente seja mais cômodo ficar em cima do muro da afetividade. Curtindo a vida no mundo das ideias, da imaginação. Fantasiando as coisas até quando ninguém sabe.
Esses três “modelos” de relações afetivas nos parecem claros em suas definições metodológicas, mas são complexos nas suas diversas práxis existenciais. O que vai modificar as suas estruturas são os seus atores e suas características de personalidade. Porque o mundo do afeto dificilmente se permite a rigores metodológicos ou mesmo pedagógicos de estratificação. Essas relações são o produto dos diversos tipos de pessoas que encontramos no nosso dia a dia. Pessoas determinadas que sabem o que querem, outras nem tanto e ainda outras que muito menos sabe do que querem pra si e para outras pessoas do seu convívio de afeto. Essa é uma área complexa do nosso comportamento por conta de que todas as nossas forças convergem para o encontro do outro. Algo como ser impossível ser feliz sozinho. Nessa busca desse encontro, os três modelos de relacionamento ficam na realidade concreta a espera de “ “adeptos” – assim mesmo, entre aspas, pois se imiscui num conjunto de subjetividades que só as pessoas nas suas trocas de afeto podem sentir e nós, pobres escritores metidos a psicanalistas, descrever com base no bom senso e no contexto cultural que se permite a isso...