TRANSITORIEDADE E FANTASIAS

Apesar de alquebrado pelo decurso do senhor Tempo, com superveniência a maior do lado intelectual, me agrada ficar enroscado com o feminino – que é o naipe de gênero que me agrada. Todavia, percebo que estou cada vez mais exigente quanto à estética feminina. Gosto do que, talvez, nem possa comer sem me engasgar. Somente os olhos, que morrem de cisma... Ou o efeito da lembrança do vício socialmente tolerável e assíduo até 1997, o tabagismo. A cigarrilha de ponteira de canela, que depois de quase duas décadas de abstinência, ainda enche-me a boca do gozo benfazejo de então, memorial e prazeroso: café e tabaco; vinho e tabaco. Ou um doce caseiro de minha Pelotas, que hoje diabético, também não posso deglutir, mas que me agrada e salivo até ficar de boca molhada, curtindo o delicioso no palatino. Ah! Estamos em plena invernia, e, por sinal, está na hora de ir pra baixo das cobertas e sonhar com o dia seguinte e suas musas, que limpam a tristeza de meus olhos sem cegueiras hipócritas... Joaquim Moncks, in CONFIDÊNCIAS.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/4394582

– Marilú Duarte, em 19/07/2013:

Freud acentuou desde cedo que o sujeito modifica posteriormente, os acontecimentos passados, lhe conferindo um novo sentido, portanto toda e qualquer função do inconsciente traz em si mesma a marca do tempo. O tempo é um sopro de vida. Aonde há o indivíduo, há alguma forma de referência ao tempo, já que ele é inerente ao sujeito, e que só existe em relação a ele, a uma maneira de ser que lhe é essencial. A realidade psíquica é constituída, para cada ser, por uma via imaginária nomeada fantasia. Em razão disso, investidos de uma saudade que se reveste de magia e ficção, regredimos nesse imenso túnel, velado no ontem, numa tentativa de criar raízes, que de certa forma nos torne em imortais. É um momento hipnótico, onde o passado e as recordações voam como borboletas redesenhando uma coreografia de sons, imagens e cores. Desfilam emoções vestidas de ternura, no estrear desse processo ficcional, onde os meninos lembram o seu tempo de conquista e a sua primeira transa, reafirmando o seu perfil machista, enquanto as meninas recordam com timidez do seu primeiro beijo, que necessariamente deveria ser roubado, para ter maior encanto e magia. Ah, velhos tempos... que se renovam envelhecendo quem os viveu. Somos o próprio tempo com suas estações bem determinadas. Quando crianças, vivemos um eterno verão onde tudo é festa, com direito a contos de fada, guloseimas e balões coloridos. Já ao adolescer a primavera toma conta de nosso encanto e com o seu multicolorido pincel colore a vida, com ou sem sentido, mesmo nos desencantos e nos soluços que não foram ouvidos. Nossos primeiros encontros, amores e dissabores chegam com o outono, que restaurando nossas raízes, sopra para bem longe as folhas retidas da insegurança, para que possamos ousar fantasias mais audaciosas. Folhas que o inverno impiedosamente amassa, esmaga e leva com o vento no próprio pensamento para um tempo que não volta mais. É hora de abrigar-se nas cobertas dos fios brancos que cobrem nossa memória. O tempo real nos impõe um alerta, diz respeito a seu caráter de transitoriedade, de passagem, de escoamento. É tempo de desfazer-se das "cegueiras hipócritas" e sem sentido, para visualizar o amanhã, que já é o hoje, recosturando emendas, e realinhando as rugas do presente, para absorver do passado o que foi significativo e nos tornou tão especiais. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4396250