A FICÇÃO É INOVADORA

“Nos redutos verbais de aparente ficção sobre a realidade, o poeta não é um "fingidor": é o espinho que dói sob a unha, com uma permanência de fazer dó. Mas a palavra poética não vive solitária, necessita da companhia do outro polo da criação. Sem este acaba não estabelecida a relação literária. Não que necessite obrigatoriamente de aplausos (o que também é bom e estimulador), porém – como registrador da temática – eu me sinto sempre um Guilherme Tell: cuidando pra não errar na maçã. E, acaso possível, ainda vir a compartilhar um pedaço da fruta, depois da ação da certeira seta... Os poemas sobre a realidade nua e crua têm de vestir uma roupagem com muitas alegorias. Caso contrário, como a peça artística louvará o arqueiro e libertará a Poesia para além da maçã degustada?” Joaquim Moncks, in O MUNDO REAL E SUAS ROUPAGENS.

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4471962

– Marilú Duarte, por e-mail em 08/09/2013.

O artesão das letras é o “expert” capaz de transformar a frágil e sutil realidade em incríveis histórias e poemas. Muitas vezes o fato real é momentâneo e o relato sobre o fato pode durar séculos. É através da literatura que as espessas cortinas de ficções se entreabrem na coreografia das possibilidades. Parte-se do princípio de que o autor constrói junto ao leitor um espaço com referenciais de partilhas subjetivas, criando um domínio de relações que aos poucos vão se aconchegando, projetando expectativas, comungando do mesmo desejo e se interrelacionando pelo vivenciar da mesma fantasia. Toda vez que eu afirmo que sou isto, ou sou aquilo, há um quantum de imaginação e de ficção. Todos somos a partição de um jogo real e/ou fictício, que necessita de um vencedor e um vencido; um jogo que se constrói no dia a dia, graças à plasticidade estrutural de sistemas cognitivos que nos tornam aptos a interagir com o outro e com o ambiente. No jogo existencial de concessões, aproximações, rejeições, indiferenças e competições desenfreadas, o artista produz a ficção, numa tentativa de diminuir sua insatisfação em conviver com a realidade. É dessa forma que conseguimos interagir com o outro e com o mundo circundante, procurando ressignificá-lo e o adaptando de acordo com nossa gama de conhecimento. Quanto maior a insatisfação, mais criativa e inovadora é a ficção, bastando apenas encontrar o esconderijo de nossos "superpoderes". Nossa vida é nossa memória, nossa história é o resultado de nossa crença, e o nosso existir é uma ficção-realidade que se fragmenta e se recupera travestida de ilusão, utilizando inúmeras roupagens e infinitas alegorias, para, enfim, recompor-se no ritual fenomenológico do Novo. Há um metafísico fio de ilusão que liga a ficção à realidade, na metamorfose de um novo existir. Tudo que vivemos e temos, são partes de verdades ou realidades potenciais. Tudo é muito efêmero e volátil, "mas a palavra poética não vive solitária, necessita da companhia do outro polo da criação", como bem o dizes. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DA PALAVRA. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/4483434