PERDÃO, UM GESTO DE SABEDORIA HUMANA

''Pois ele nos resgatou do domínio das trevas e nos transportou para o Reino do seu Filho amado, em quem temos a redenção, a saber, o perdão dos pecados.''

(Colossenses 1:13-14)

“Há na ideia do perdão algo de transumano. O impossível opera na ideia de um perdão incondicional, uma vez que este perdão que perdoa o imperdoável é um perdão impossível. Ele faz o impossível, faz fazer e proporciona o impossível, perdoa (este) que não é perdoável.”

(Jacques Derrida)

O verdadeiro perdão, um gesto que não tem nada haver com esquecimento, é algo que está na ordem do excepcional; está, portanto, para além das pretensões (que são desumanas por sinal, como muitos pensadores já haviam percebido) de qualquer sociedade ou instituição que tenha a pretensão de promover a anistia, a fim de reparar qualquer dano psíquico ou corporal causado.

Evando Nascimento, abordando o pensamento de Derrida sobre o perdão no texto que integra o livro ''Pensar a desconstrução'', nos lança uma grande luz sobre esse tema: ''Perdoar não é esquecer, é aceitar de coração que um perdão se dê, sem exigir nada em troca, sem um benefício concedido em função do arrependimento, da reparação, ou qualquer outra forma de comércio. Nos diversos textos em que aborda a questão, Derrida vai insistir no perdão incondicional, um perdão que nem precisa ser pedido para que se dê e quem nem mesmo depende da vontade de quem perdoa. Ele se faz como o dom de acontecimento entre o consciente e o inconsciente.''

Refletindo sobre o que o filósofo falou e adentrando na esfera da transcendência e da espiritualidade, penso que o perdão, para ser verdadeiro e de grande valor na vida de quem é perdoado, é fruto da graça emanada por Deus em nosso ser; ele é como o filósofo disse, um ato de caráter extraordinário e dotado de uma incondicionabilidade, na medida em que já não há .mais nenhuma outra pretensão que sobreponha a dádiva absoluta do perdão, uma disposição interior que abre a possibilidade da eternidade na temporalidade de nossa existência.

Mas sem o milagre primordial da redenção na cruz e a misericórdia do divino que habita em nosso coração, poderíamos ser presenteados com uma dádiva tão difícil de por em prática? Poderíamos ter atitudes parecidas como a de Jesus (o qual é o nosso maior exemplo e o nosso modelo de absoluta santidade), ou seja, ficando distantes de seu imenso amor, ou ainda, fazendo de conta que ele foi apenas um homem sem natureza divina? Se fosse assim, tudo se reduziria a um falso perdão, apenas com a finalidade de manter uma aparência social...Nada mais mentiroso para a vida do que gestos tão superficiais como esses!

O perdão, não há duvida, é um gesto que brota do coração do indivíduo com sua própria decisão em perdoar o ofensor, pois somente ele pode perdoar aquele que lhe fez algum mal, mesmo tendo presente em sua memória acontecimentos desagradáveis...Derrida nos no texto ''sur parole'' nos faz entender acerca desse ato sublime do perdão que: ''O bom senso nos lembra que o perdão não é o esquecimento, mas em todo lugar onde o esquecimento, sob uma ou outra forma, por exemplo, sob a forma da transformação, da reconciliação, do trabalho de luto,pode se infiltrar, o perdão não é puro. O perdão deve supor de alguma maneira uma memória integral.''

Mas cabe a cada um de nós respeitar gestos assim, gestos que não precisam de juízes ou de um sistema que diga o que tem que ser feito, ou melhor dizendo, de um sistema jurídico e de um tribunal que decreta a remissão dos erros terrivelmente cometidos (ainda que o sistema possa impor o medo para aqueles que comentem atrocidades, coibindo qualquer prática, não é capaz de inspirar uma aura de perdão em seu âmbito; a artificialidade e a hipocrisia impregnou de tal forma esse meio, que já não temos mais as leis para nos orientar, a não ser a justiça divina ao nosso favor...).

Pois, não há dúvida, é a pessoa ofendida quem milagrosamente dá a sentença, ou melhor dizendo, toma a decisão inaudita em perdoar ou não o seu ofensor; porém sem qualquer sentença dada pelo amparo do estado, porquanto não tem sentido exigir deste o apaziguamento de uma história.

Para ser sincero, nem a indenização que o estado promove pode pagar tamanho sofrimento causado...E ainda que sejamos tomados pelo senso de justiça, o que é perfeitamente compreensível, só cada um de nós pode, sob o auxílio da fé em Deus, encontrar uma saída em meio aos labirintos de uma situação permeada de afrontas e de amarguras!

Afinal, o que está em jogo é a velha indagação entre o ser, de um lado, e o não ser, do outro; entre o gesto sublime de perdoar, de um lado, e o ato de não-perdoar, do outro. Tamanha pergunta que angústia o coração dos homens sinceros de espírito, sempre dependerá de uma vontade firme e de uma decisão pessoal. Mas como é difícil resolver essa incógnita, na qual só o ser humano ofendido pode sair desse impasse, permitindo que a luz da misericórdia e da decisão redentora do perdão ilumine o seu ser e o do seu semelhante! De fato, muitas vezes tudo parece contribuir para que não haja esse gesto que denota grandeza de alma e sublimidade espiritual...

No entanto, retomando o pensar de Derrida, isso significa nunca esquecer o que aconteceu. De fato, uma marca deixada nunca pode ser removida de nossa história (todas as linhas escritas da página de nossa vida é constituída por esses acontecimentos e são justamente estes que contribuem para a constituição de nossa personalidade; por conta disso, seria uma traição do indivíduo consigo mesmo fazer de conta que não houve nada). Elas, as marcas profundas e os traumas gerados, podem sim ser cicatrizados, mas a partir do momento em que a paz, a serenidade e a misericórdia enfim se instalam no coração do indivíduo.

Tais dádivas, que são provenientes de Jesus Cristo, nos coloca no caminho onde podemos encontrar sentido para o nosso próprio viver. Pois só com paz, misericórdia, compaixão, serenidade e benignidade, é que podemos continuar acreditando no alvorada de uma nova história, uma história que seja mais favorável para o fortalecimento de nossa saúde espiritual, de modo que a esperança venha a ser o antídoto contra a desilusão, e o amor (tanto pela vida, quanto pelo próximo) uma arma poderosíssima contra a insensatez do ódio que tomou conta de nossa sociedade de massas.

A partir do instante em que deixamos o ressentimento, o ódio e a vingança evanescerem de nossa alma, nos tornamos livres, dando espaço para que a paz, o amor e a serenidade tomem conta de nosso ser.Passamos, a partir daí, dar novos significados às circunstâncias e a tudo que nos rodeia; passamos, além do mais, a tecer um novo capítulo e a costurá-lo com enredos mais aprazíveis, sem o sabor amargo das páginas anteriormente escritas de uma história desoladora.

Apesar de tais recordações negativas existirem quando evocadas na memória de um indivíduo, podem não ter forças nenhuma para derrubá-lo ou destruí-lo quando este estiver suficientemente preparado e amadurecido para levar, ao invés do ódio, a caridade àqueles que necessitam. Essa atitude frente aos demais só é possível quando a virtude da bondade for mais forte do que os rastros de ódio, do ressentimento e da vingança; é um gesto, por seguinte, que imita a paixão de Jesus Cristo na cruz; e, como este, é tão sublime que chega a reverberar como a luz que promana da eternidade.

A vida é breve demais para permitirmos que se decomponha nas trevas do ódio e da vingança, por isso o perdão surge como uma alternativa, (por que não dizer excepcional, inusitada e fantástica?), a fim de irradiarmos uma verdadeira luz de virtude sobre um mundo empobrecido de grandes exemplos de benignidade. O perdão faz com que a vida se torne mais suportável e leve, tira de nosso ser qualquer fardo paralisante e destrutivo. Sendo assim, por que, então, não enfrentarmos as muralhas de nossas limitações, quebrando qualquer obstáculo que nos impeça de contemplarmos o horizonte à nossa frente, o horizonte ilimitado se abrir a cada voo alçado?

A vida, para falar a verdade, só é bem vivida quando permitirmos que ela flua como um rio cristalino desde a sua nascente, sem que nos afoguemos no lodo de nossas próprias misérias; porém, tudo o que vai contra esta, como as guerras, as mentiras e os genocídios- que são expressões da violência e do ressentimento-, só perpetuam o seu paralisamento, os quais geram exponencialmente, mediante um clima de morte, ainda mais ódio e destruição. Enquanto os homens viverem embriagados pelo ímpeto de uma vontade cega, porquanto estiverem impelidos a pagar o mal com o mal, a perversidade com ainda mais perversidade, a injustiça com mais injustiça (em proporções mais elevadas em nome de sua própria ''justiça''), infelizmente desconhecerão o que é viver no resplendor de uma vida justificada pela graça e pelo amor infinito do Deus altíssimo.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 12/11/2016
Reeditado em 06/07/2021
Código do texto: T5820815
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