Ensino da Língua Portuguesa no Brasil nas últimas décadas

     A educação escolar no Brasil em seu início fazia uso ornamental e erudito do conhecimento, gerando uma monopolização dos saberes entre os mestres e sua clientela restrita e elitizada, onde gozavam do status que aquela educação lhes trazia. A educação tem sofrido profundas mudanças, pois a conjuntura diacrônica da sociedade tem desvelado e imposto grandes e novas necessidades a ela. O que tem estado como foco das discussões acerca das metodologias e objetivos do ensino são as configurações situacionais e práticas. A língua sempre serviu para comunicar, contudo, da década de 60 para cá essa função de excelência da língua tem sido requerida como jamais fora desde sua tomada como objeto de estudo escolar no séc. XIX.

     A escola requeria práticas de bem falar, descritivas e superficiais que cumpriam apenas uma função ornamental e hierárquica na sociedade refletindo a sociedade que ela mesma moldava. Após os anos 60, a configuração do regime militar e de um crescimento econômico significativo, as necessidades do quê, para quê e de como ensinar se alteraram. Aos novos cidadãos careciam saberes basilares, mão de obra qualificada, capacidade de comunicar e expressar fatos, ideias e de revelar-se diante destas mudanças.

     O ensino de língua portuguesa foi amenizando seu caráter prescritivo e voltou-se para a conflagração de diversas vertentes de estudos que redefiniam sua função. Surgiram novos métodos de abordagem da língua e de seu ensino, como o textual comunicativo, o psicolinguístico e o interacionista que comprometeriam a exclusividade e rigidez da abordagem retórico-lógica. Isso tudo reflete o caráter dinâmico e mutável da língua demonstrando que sua abordagem sempre tenta adequar-se as necessidades sociais em que se insere.

     Nossa época atual se caracteriza pela diversidade, pela quebra de dogmas, pela relativização de certezas, pela instabilidade, pela interatividade e globalização. Assim, é perfeitamente compreensível que não haja ainda um consenso, uma uniformidade homogênea de apropriação e de abordagem da língua portuguesa. Tem-se discutido se ela deve ser priorizada como ferramenta comunicativa, como meio de expressão (de pensamentos, desejos, ideias), como forma de interagir e de agir no mundo, como objeto passivo de análise, como instrumento facilitador para a aquisição de competências e de habilidades que a perpassem e a requeiram, como forma de exercer autonomia e de circunscrever-se nas práticas sociais diversas. No entanto, ela de fato serve a tudo isto, de modo que, priorizando um ou outro ponto estaremos invariavelmente relegando os demais.
     A educação atual teria que dar conta de toda essa gama de abrangência da língua (abrangência prática, linguística, léxica, discursiva, expressiva, estrutural, dialógica, funcional etc).
Bonini em suas reflexões-estudos do desenvolvimento das práticas de produção textual, lucidamente salienta que:

“Há que se considerar, finalmente, que a virada pragmática no ensino de português é um processo que esta se iniciando entre os professores, de modo que debates e pesquisas em torno dessa questão são essenciais. Se por um lado há problemas a serem vencidos no ambiente escolar, por outro, existem ainda pontos nebulosos nas proposições teóricas e há poucos resultados de pesquisas quanto ao desempenho das propostas. Não resta dívida, contudo, que o debate cresceu muito nos últimos anos em aspectos quantitativos e qualitativos” (BONINI, 2002, p.43)

     De fato, o debate vem crescendo e isso certamente poderá gerar novas abordagens para o ensino de língua portuguesa em geral.
Nosso contexto atual requer que consigamos (ao menos que tentemos) dar conta de praticamente tudo, que acessemos um bombardeio de informações, que consigamos filtrá-las, geri-las, transformá-las em conhecimento para apropriação prática, que possamos agir e interagir em diversos meios, que consigamos transcender a tudo e encontrar soluções para problemas, além destes, outros que ainda nem foram cogitados ou mesmo criados.

     Neste momento importa a experimentação, pois não há receitas prontas, não há nem mesmo, como citado, resultados consistentes do desempenho das atuais abordagens (interacionistas predominam atualmente). Podemos mesclar entre as velhas e as novas práticas, remodelando o ensino com roupagem diferenciada. Podemos trabalhar a gramática a partir de enunciados espontâneos, ou a partir de simulações orientadas em módulos ou sequências didáticas; podemos desenvolver projetos que se configurem em alguma prática social consistente e a partir daí trabalhar os aspectos linguísticos e gramaticais. Ou seja, não existe mais uma forma tida como certa para o ensino e uso da língua materna, mas uma grande gama, que se fará adequada ou inadequada parcialmente, ou momentaneamente, considerando para tanto diversas situações e questões.

     A língua não é mais dom nem monopólio. É utilitária a toda e qualquer pessoa que venha a fazer o melhor uso dela.