APONTAMENTOS PARA UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA

– BARCELLOS Prosa e Verso, participação de Lucien Gilbert. Rio de Janeiro: Autografia Edição e Comunicação, 1ª ed., Jan2018.

O trabalho de Renata Barcellos (neste último e bem cuidado livro) é um depoimento amoroso de quem tem compromisso com o seu tempo e com o seu país, na incessante busca de vetores que possam chamar a atenção do educando para com a literatura. Nele, o registro da professora com pós-doutorado, concede em linguagem e temática àqueles a quem a obra se destina. A postura autoral visa, por certo, dilatar a possibilidade de razoável e efetiva receptividade do conteúdo do livro e a consequente absorção por parte do leitor.

Nos seus poemas bem urdidos em linguagem simples e com pouca codificação, a mestra-poeta procura entrar no lúdico universo dos estudantes, abordando temas que são do seu dia a dia. Retorna no tempo a também jovem educadora para soletrar poemas que, decerto, foram gestados ao seu tempo de também iniciante no formato da Poética, a qual, em regra, especialmente para os leitores não afeitos aos livros, se torna um cochicho lírico-amoroso às descobertas e aos juvenis jogos amorosos, mas nada além.

O que a obra apresenta e ressalta – psiquicamente – é o colóquio entre alguém que pretende que a vida seja boa e benemerente àquele espírito iniciante, que busca caminhos para futuros desafios que podem (ou não) servir como fascínio para aquele que, na área suburbana, transita de pés descalços sobre o lamaçal da invernia e do esgoto a céu aberto, para chegar à escola e vencer os desafios de um Exame Nacional do Ensino Médio, vulgo ENEM, já que este faz parte da corrida com barreiras a que o atleta da periferia tem de enfrentar para lograr bater às portas da universidade. Especialmente aquelas unidades escolares de terceiro grau mantidas pelo governo federal, vale dizer, pelos impostos do contribuinte geral, que até pouco tempo era dos domínios dos bem-aquinhoados, e que acabavam ocupando – graças a uma educação fundamental e média de melhor qualidade – as vagas na universidade pública, em detrimento dos realmente mais necessitados de oportunidades de emprego pós-universitárias.

Tentou-se, nos últimos governos, corrigir um pouco das tidas e havidas injustiças no campo educacional para com o bolso depauperado dos assalariados. Todavia, os avanços foram muito pequenos. No entanto, há uma visível pressão por parte das lideranças, nas comunidades organizadas, que exigirão dos dirigentes políticos mais cuidado com esta temática.

Esta visão social do que subjaz à educação, em alguns diálogos textuais, é possível de se perceber, tanto na autora quanto no alunado participante do livro.

O livro de Renata é um elementar substrato do que liricamente observa e, com paciência e zelo, mas com a vetusta e oportuna ação aristotélica, adere como aríete capaz de apontar caminhos. Crente na Poesia como elemento que lida com o Novo e permite que cheguemos à felicidade, lavra a sua obra para o futuro. Com garra e pertinácia, bem como é da índole do educador brasileiro, que, em regra, provém de berço humilde e deseja que o humanismo possa vir a corrigir as profundas distorções em termos de oportunidade e salários.

Renata Barcellos esquece de si própria e, vencendo as vicissitudes da crise internacional, especialmente nos quatro últimos anos, cabecinhas prenhes de ‘lucidez enternecida’ para o futuro, pretendem corrigir algumas distorções do mundo fático no qual estão inseridos. É conveniente ler o seu depoimento nada formal, porém cheio de vida e experimentação. Nós, leitores mais afeitos ao universal, muitas vezes pecamos quanto ao público esperável para cada uma de nossas obras.

Sempre pretendemos, especialmente, em Poesia, um leitor que pense, que reflita, que encontre caminho para, no mínimo, ser feliz, mercê da veracidade com que contamos nossa história subjacente, codificada e/ou criptografada pela Poética versada esteticamente pelo senso analítico com laivos de criticidade amadorística. E muitas vezes os escritores consagrados só conseguem chegar ao aluno – especialmente ao do ensino fundamental – graças à atuação dos professores em sala de aula.

Consequentemente, um pouco da proposta literária individuada se perde: o poeta-leitor não faz suas próprias descobertas, descobre o que a tenacidade educacional lhe propõe. O poema, então, é como se tivesse sido escrito num outro idioma e tivesse sido passível de tradução. O aprendiz consome o que o leitor original um pouco mais preparado deduziu e consumiu.

Renata, por ser tenaz educadora, não tergiversa, atua e consagra o princípio da experimentação direta com o seu aluno. Vale conhecer a sua obra. Eu mesmo me senti menino em sala de aula. E dei asas ao sonho de ser feliz e de conceber um mundo mais justo e seguro para poder pensar um Brasil mais feliz, saciado em sua fome intelectual, e pátria do Evangelho, como aferem várias correntes cristãs, mercê do princípio de separação entre a Igreja e o Estado, daí decorrendo que o ensino no Brasil é laico.

Parabéns, educadora Renata Barcellos. Que o Absoluto, como fonte, reforce os teus princípios de confraternidade humana. Parece-me que estamos necessitados disso. E muito.

Passo de Torres, SC, 12 de dezembro de 2018.

– Do livro inédito O PAVIO DA PALAVRA, 2015/18.

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