Por que as pessoas traem

Todas as vezes em que nos descobrimos enganados ou traídos pela pessoa a quem oferecíamos o melhor de nós mesmos a tendência é ficarmos nos perguntando o que fizemos de errado, em qual momento cometemos a falha que serviu como justificativa para a pessoa amada cometer a traição. Isso é péssimo, pois que nos abate terrivelmente o moral, levando-nos muitas vezes a duvidar da nossa competência para preservar o amor de alguém ou fazer com que nos amem de forma honesta e sincera. A compreensão do processo, no entanto, ajuda a recuperar a auto-estima e a fé nas pessoas, pois o que leva alguém a trair não obedece, necessariamente, esse modelo linear de causa e efeito.

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Um dos sentimentos mais difíceis de lidar é o de se descobrir traído sem contemplação pela pessoa a quem dedicávamos um tratamento que considerávamos abolutamente honesto. E quanto maior for o nível de dedicação, de lealdade, ou de consideração oferecidos, muito maior é o susto, a dor da constatação, o estarrecimento frente à dura realidade da traição.

Isto porque nos ensinam desde cedo que, se não fizermos de tal forma receberemos uma coisa, e se fizermos de outra, o resultado é assim e assado, não é assim? Só que a coisa não funciona de forma tão simples e direta, pois envolve não só o contexto onde tudo acontece, mas também o histórico e as tendências das pessoas envolvidas.

Se nos fixarmos na idéia de que causa e efeito estão sempre diretamente relacionados, que um determinado tipo de comportamento conduz invariavelmente a uma mesma resposta, teremos encontrado a fórmula mais rápida para acreditar que nascemos fadados ao fracasso, ou que não há como mudar essa nossa natureza tão trágica. Mas, na grande maioria das vezes, a forma como as pessoas agem conosco não tem uma relação direta com a forma como agimos com elas. Traduzindo: o fato de procedermos de forma nobre não faz com que nos retribuam também com procedimentos nobres. E mesmo que não deixemos dúvidas sobre o quanto somos confiáveis, isso não proverá qualquer garantia de que os outros também não irão trair a nossa confiança.

Também não ajuda acreditar que só nos traem porque não somos bons o bastante para a outra pessoa, porque estamos abaixo de sua expectativa enquanto parceiro sexual, status social ou por alguma outra qualidade pessoal que nos falte. Fosse assim os grandes gênios, os monarcas e as pessoas de reconhecidas qualidades morais jamais seriam traídos. E a história nos mostra o quanto isso é irreal!

Então podemos concluir que o fato de alguém nos trair não depende da forma como pensamos, agimos ou amamos, tendo muito mais a ver com a visão de mundo da outra pessoa, o que ela considera importante para si, o que busca em sua trajetória de vida, etc. Isto significa que você pode ser a pessoa mais leal do mundo, inteligente, um excelente parceiro sexual, extremamente dedicado e atencioso em relação à pessoa amada, que isso não vai impedir que seja traído se isso não fizer parte do esquema de valores da pessoa que o trai. É uma daquelas coisas em que você jamais vai conseguir um contrato de garantia do tipo: "eu ajo assim com você e você me promete não fazer tal coisa comigo!".

Por mais duro que pareça, não é assim que funciona, e apenas sabendo disto já reduzimos substancialmente as decepções em relação a expectativas não correspondidas.. E aí é o caso de se perguntar: então, como escapar do sofrimento tão doloroso quanto o de ser traido friamente por quem se ama tão exclusiva e apaixonadamente? Pergunta dífícil essa de ser respondida com uma regra que se aplique a todos os casos.

Na verdade não existe apenas uma resposta, mas um conjunto de atitudes a serem adotadas que quase ninguém faz uso, como, por exemplo:

conhecer o histórico da pessoa em relação às respostas oferecidas a diferentes situações;

buscar saber como ela pensa em relação aos conceitos considerados importantes ou indispensáveis para a manutenção do relacionamento, como lealdade, sinceridade ou regras de respeito mutuo.

estar atento à coerência entre discurso e ação, ou seja: se o que é falado reflete a forma como a pessoa procede em relação aos outros, e não como ela se esforça para demonstrar com você apenas.

avaliar a capacidade analítica do outro de forma a se ter idéia se os valores supostamente apresentados no discurso realmente estão presentes na prática. Não é difícll que, até por incapacidade intelectual ou falta de cultura, a pessoa tenha visão distorcida da realidade, e cobra nos outros valores que não possui e nem identifica a ausência em si mesma.

Poderíamos estender esta lista até o infinito, mas numa primeira análise poderemos perceber o quanto é difícil adotá-las como salvaguardas para evitar a dolorosa constatação da traição cometida. Primeiro porque é praticamente impossível colocar a pessoa em "stand by" até obtermos o histórico que poderá nos preservar da decepção futura. "O coração tem razões que a própria razão desconhece", não é assim? Como então dizer para nós mesmos: "Não vou amar enquanto não tiver certeza que não vou ser traído" ?

Conhecer-se os conceitos de vida e esquema de valores pode, sim, reduzir os riscos da decepção, mas também não os elimina. Existem muitas pessoas que aplicam a máxima do "faça o que eu digo mas não faça o que eu faço", de forma consciente ou não. Os que o fazem de forma inconsciente são aqueles que não tem capacidade analítica para perceber o quanto são incoerentes entre o que dizem e o que realmente fazem. Os que o fazem conscientes são os que trazem na personalidade alguma outra característica como prepotência, vaidade ou arrogância em relação às pessoas, que o reveste de "direitos" que não aceita serem exercidos de forma igual pelas pessoas com quem se relaciona. É aquele sentimento tacanha dos "coronéis" do século pessado, que acham que podem fazer tudo, mas não admitem de forma alguma quando são eles as vítimas do que lhe fazem.

Estar atento à coerência entre discurso e ação tem uma séria contrapartida: só é possível quando o relacionamento já está em andamento, e nessas condições é pouco provável que haja isenção e independência suficientes para evitar que o sofrimento aconteça no caso de se descobrir o que temíamos na outra pessoa. Pode-se, no máximo, reduzir a intensidade, dependendo do estágio do envolvimento emocional e afetivo. E avaliar a capacidade de análise do parceiro, para ver se tem consciência de suas incoerências, só abre as janelas da desconfiança para os limites do outro, e isso pode tornar o relacionamento quase insuportável, pois cada nova evidência poderá se transformar em sinais claros do sofrimento eminente, levando a relação a níveis de stress difíceis de sustentar.

A conclusão a que chegamos, então, é de que o risco sempre existirá, independente de quem você seja, de como aja em relação à pessoa amada, ou do que ofereça para ela em termos de dedicação, lealdade e satisfação de qualquer natureza. Quem está habituado a trair sem culpa irá fazê-lo, independente do que você faça ou deixe de fazer; quem não o faz por hábito - mas é um fraco - poderá fazê-lo quando surgir a oportunidade e encontrar depois uma justificativa para aplacar a própria consciência; e aquele outro que é incapaz de distinguir entre o essencial e o dispensável também o fará, já que não consegue entender que pode estar trocando o que tem de mais importante por algo que não representa mais do que um momento em sua vida.

Assim, amigos, a única alternativa que temos para preservar nosso equilíbrio e nossa auto-estima, mesmo diante da tão temida e destrutiva traição, é ter consciência do seguinte: o risco sempre vai existir, porque dependerá muito mais da outra pessoa - da forma como ela age e pensa - do que de você. O importante é nunca trazer a culpa para si quando seu coração lhe disser que não contribuiu para o fato, que você procurou ao máximo fazer bem a sua parte. Acredite que quem mais perdeu com o que aconteceu foi o outro lado, que está em condições bem mais difíceis de recuperação, já que não tem controle sobre o que deseja e, portanto, muito menos possibilidades de encontrar quem a fará feliz do que você.

Então, se tal situação se enquadra no seu caso, meu amigo, levante a cabeça, parta prá outra sem medo e vá fundo na busca de sua felicidade, que ela vai voltar muito mais cedo do que você imagina!

Obras publicadas: www.lojasingular.com.br

Luiz Roberto Bodstein
Enviado por Luiz Roberto Bodstein em 18/09/2007
Reeditado em 20/03/2012
Código do texto: T657872
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