A Inveja

“A inveja é como o vento, açoita sempre os cumes mais altos” (Públio Virgílio Maro)

“Não é o que você é que te restringe, é o que você pensa que você não é” (Denis Waitley)

Ah... Inveja... Esse sentimento espúrio, mesquinho, vil, degenerativo, traiçoeiro, ulcerado, baixo e faminto que a maioria das pessoas sentem tesão em colocar para baixo do tapete e encobrir, mas que está entranhado em nossa camada córnea clamando para ser exposto.

Podemos chamar a inveja de uma sinfonia destrutiva que soa do interior de um ser humano desafinado em comparação com seu semelhante... A inveja é aquela dorzinha lá no fundo que dá as caras quando vemos alguém em nossa volta prosperando, amando, evoluindo, quando nos sentimos injuriados por ver outrem realizado e tentamos até tirar seus méritos. A escritora russa Sophie Ségur dizia que a inveja é tão inseparável do merecimento quanto à sombra é do corpo.

Sim, a inveja também tem forma de dor, nos humanos a inveja e a dor são processadas na mesma área do cérebro, área essa chamada “Córtex Cingulado Anterior”, percebemos a dor no mesmo hemisfério onde o sentimento de inveja nos belisca.

François de La Rochefoucauld dizia o seguinte “A nossa inveja sempre dura mais tempo que a felicidade daqueles que nós invejamos”

No século VI, o Papa Gregório Magno, o 64° Papa da Igreja Católica foi quem colocou a inveja no rol dos famosos 7 Pecados Capitais, diminuiu a lista, pois inicialmente eram 8 na visão de Evágrio Pôntico, estabelecendo a lista que todo mundo sabe na ponta da língua.

A inveja costuma deturpar a nossa visão de nós mesmos, nos manipulando a nos compararmos com outras pessoas, com o que as outras pessoas possuem, a inveja é uma trena, um prumo, uma régua, um compasso e um esquadro, tudo em um instrumento só, que desenvolve no nosso comportamento comparações com os demais, toda vez que sentimos inveja, parecemos insuficientes, pior ainda quando nos comparam com parentes próximos, amigos, vizinhos ou desafetos com o intuito de depreciar ou diminuir nossas qualidades.

Em nome da inveja e do poder, lá na Grécia em 488 a.C foi criado algo chamado “Ostracismo”, o Ostracismo era uma punição para quem se destacava demais, um banimento para quem ousasse fazer sucesso, o povo era orientado a votar democraticamente em alguém que eles considerassem uma “ameaça”, alguém que tivesse influência, inteligência, posses, alguém que fosse bem sucedido, que se destacasse demais na sociedade. Os cidadãos, na maioria, invejosos, escolhiam um alvo e votavam sem dó, o nome Ostracismo vem de “óstracos” que eram os pedaços de cerâmica em que era escrito o nome do individuo. O mais votado para o banimento era condenado a ser exilado por 10 anos fora de Atenas, tendo que deixar sua casa, suas propriedades e sua vida. Era muito perigoso se destacar em Atenas, era alvo fácil do ódio, um exemplo disso foi o de Temístocles.

Desde a Grécia Antiga já era realidade a frase clichê e pobre do oráculo popular das conversas de bar que diz “As pessoas querem te ver bem, mas nunca melhor que elas.”

Muita atenção com a forma que as pessoas te olham e de quem você se mantém próximo, cuidado, a porta de entrada da inveja são os olhos. Na Divina Comédia, obra do florentino Dante Alighieri, os invejosos tinham os olhos costurados com arames no purgatório. Na Turquia há um amuleto chamado “Nazar Boncugu” que é usado contra o mau-olhado, conhecido como olho turco. É da Turquia também que vem a lenda do Olho Gordo: a lenda diz que havia uma grande rocha na beira do mar que nem a força de cem homens e de dinamites era capaz de rachá-la, muito menos de movê-la. Porém havia um homem num vilarejo perto dali que era famoso por ter um olho gordo, então trouxeram o indivíduo até a rocha, quando ele olhou para ela exclamou “Meu Deus, que rocha enorme!” No mesmo instante foi ouvido um estrondo, a rocha se partiu em duas partes. A partir desse momento os turcos passaram a usar amuletos como proteção, se tornou um marco na crença popular de que o olho gordo destrói a tudo que observa.

Os romanos no século I a.C usavam contra o mau-olhado o “encantamento fálico”, um pingente feito de metal com formato de pênis, vulgarmente chamado de “carpano”, o símbolo do falo servia como um catalisador da inveja, do olho gordo e de maldições.

No livro “O olho do Mal” do filólogo inglês Frederick Thomas Elworthy, há a elucidação de que nos tempos de Francis Bacon o termo “fascinar” possuía um significado diferente do que conhecemos hoje, fascinar era um sinônimo de mau-olhado, o olhar magnetizado e fascinado de alguém era capaz de transmitir pulsões de energias más pela cobiça atingindo o objeto observado. O olhar é capaz de enfeitiçar alguém de forma maligna.

Em alemão há o seguinte termo “Schadenfreude”, que significa alegria de ver outra pessoa se dar mal, o contentamento em ver o seu rival na lona, na pior, abaixo de você. Foi em busca dessa sensação que o famoso arquiteto Donato Bramante fez de tudo para que o Papa Júlio II contratasse Michelangelo para assumir a gigantesca responsabilidade do afresco no teto da Capela Sistina, Donato com inveja queria assistir de camarote à ruína de Michelangelo caso fracassasse com tamanha obra, Bramante apostava que ele não seria capaz. Michelangelo relutou, mas acabou cedendo pela pressão do Papa e por quatro anos de sua vida trabalhou incansavelmente no que resultou em uma das obras mais grandiosas da história da humanidade. A inveja de um culminou na glória de outro.

A inveja estimula a competição entre as pessoas próximas. Numa tarde de julho de 1957, um rapaz chamado Paul McCartney assistia a apresentação de um garoto dois anos mais velho, um tal de John Lennon, a antiga banda de John chamada Quarrymen estava tocando no jardim de uma igreja. Paul foi apresentado para John Lennon por um amigo, McCartney louco para impressionar, logo pega uma das guitarras da banda e toca a música “Twenty Flight Rock”, John Lennon fica maravilhado com a desenvoltura do jovem Paul e desse dia em diante os dois escreveram juntos seus nomes na história da música.

Mas o que talvez você não saiba é que internamente havia uma guerra constante entre eles, uma guerra fria de talentos, um tentando superar o outro, um tentando compor mais e melhor que o outro, compor melodias, letras, uma batalha secreta em que um tentava superar a qualidade do outro, tanto Paul como John Lennon disputavam quem reinava absoluto nos Beatles, no inicio quem levava vantagem era John, no fim Paul assumiu a dianteira. Essa batalha fez elevar o nível de qualidade dos Beatles e o resultado foi às músicas geniais que ficaram como legado. No fundo eles sabiam que Paul era mais inteligente, mais focado, isso perto do fim machucou muito um inseguro John Lennon, que sempre que pôde atacou Paul seu ex-companheiro de Banda para se sentir melhor.

A inveja é algo que nos inferioriza, nos diminui, nos machuca, nos torna vulneráveis, nos empurra para um desfiladeiro a beira do abismo das simulações das vidas alheias que mesmo que negamos, gostaríamos de experimentar nem que fosse por um dia.

Eden Mendes
Enviado por Eden Mendes em 22/12/2019
Reeditado em 29/12/2019
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