A INFLUÊNCIA DAS FILOSOFIAS NA PSICOLOGIA JUNGUIANA

O QUE PODEMOS SABER SOBRE FILOSOFIA?

A palavra filosofia, em referência ao saber racional que se originou na Grécia, foi pela primeira vez utilizada por Pitágoras, palavra essa de origem grega, cujo significado é amor a sabedoria. Nesse sentido, todo filósofo é um amante da sabedoria e não plenamente um sábio. O próprio Sócrates, certamente, não se considerava como tal e sim como um amante do saber, exortando os seus discípulos a conhecerem a si mesmos, mesmo reconhecendo que esse saber seja um não-saber. O amor por essa dádiva chamada sabedoria é, sem dúvidas, uma condição indispensável para que o ser humano consiga aos poucos alcançar a luz da verdade e, com isso, viver na contemplação do que é belo, do que é bom e do que é justo, tal como bem enfatizava o mestre nos seus diálogos escritos pelo seu discípulo Platão.

Em geral, a filosofia é uma área do conhecimento que busca iluminar as trevas da ignorância ao tentar responder aos ''por ques'' mais urgentes e inquietantes da existência humana, assim como busca dar um vislumbre acerca de nossa realidade circundante através de conceitos abstratos e ideias que visam a universalidade. Na verdade, não existe só uma filosofia interpretando o mundo, mas inúmeras teorias e escolas filosóficas, cada qual com o seu ponto de partida, com as sus preocupações e com uma hermenêutica própria da realidade e do mundo em que vivemos.

A filosofia é um constante exercício na sua tentativa de trazer, pela luz da razão, a verdade, e uma disciplina que abrange os mais diversos campos do conhecimento, tais como: metafísica; moral e ética; epistemologia; teoria do conhecimento; lógica; ontologia; estética; política; teologia; e linguagem. Cada uma dessas áreas, estão preocupadas em tecerem valiosas reflexões e questionamentos a respeito de uma determinada dimensão do ser humano.

O saber filosófico, em suas mais variadas ramificações, intenta sempre dar um lampejo de conhecimento para as dúvidas mais inquietantes do ser humano, mas para isso é indispensável começar com as melhores interpelações como forma de trilhar um caminho especulativo satisfatório. Um excelente saber sobre o mundo só pode ser alcançado com questionamentos desconcertantes e que intrigam a razão na sua aventura para alcançar um significativo conhecimento.

Essa disciplina, que busca problematizar a existência e então obter um entendimento do contexto social em que vivemos, tem como peculiaridade produzir um saber que está para além do senso comum, desvelando caminhos de sentidos que possam orientar o ser humano no seu mundo circundante e trazendo elementos para enriquecer o exercício do pensamento. É importante sabermos que esse tipo de saber essencialmente racional e especulativo se originou na Grécia através dos filósofos chamados pré-socráticos, os quais precedem cronologicamente a Sócrates.

Cada um desses seres pensantes desenvolveram um conhecimento importante sobre a origem do universo. A etimologia da palavra grega Arché se refere a origem ou fundamento, que é responsável por ser a causa primordial de tudo o que existe; se refere também a uma força ou princípio que determina todas as transformações que ocorrem na natureza, nos seres vivos e no cosmos.

Tales de Mileto, por exemplo, além de ser um profundo observador da natureza e desenvolver uma perspectiva monista, raciocinava que o que deu a origem do universo foi o elemento água, o qual é essencial à vida e capaz de propiciar movimento em toda a sua totalidade. Já Heráclito de Éfeso, pensava que o elemento fogo é o que deu origem ao cosmos, pois nessa perspectiva é esse elemento originário o que fomenta a luta de opostos. Para esse pensador, tudo está em constante fluidez e o ser não é mais do que o vir-a -ser, pois não podemos entrar duas vezes no mesmo rio e tudo o que é, já não é mais.

Em oposição ao filósofo de Éfeso, Parmênides de Eleia defende a teoria do princípio da não-contradição, ou seja, o ser é aquilo que é e o não-ser é aquilo que não é. Com isso, ele nega o ser como um vir-a-ser, uma vez que o ser não pode ser outra coisa senão algo imutável e perene. É interessante, a partir dessas filosofias que defendem uma ontologia específica, observar a origem da palavra arquétipo, um conceito tão utilizado por Jung na sua psicologia! Isso nos mostra a influência não só da mitologia no desenvolvimento de sua ciência, mas das filosofias desses primeiros pensadores gregos no pensamento junguiano, até porque foram eles os responsáveis por trazerem para o pensamento ocidental o conhecimento da origem do cosmos e, consequentemente, deram uma grande contribuição para o enriquecimento da etimologia da palavra arché.

Depois do embate dos primeiros pensadores preocupados de uma maneira distinta em desvelar a origem do cosmos, trazendo à luz do conhecimento uma ontologia específica e um entendimento original a respeito do que é Arché, surgem na história do pensamento ocidental os filósofos Platão e Aristóteles, ambos indispensáveis na fundamentação de teorias de maior abrangência e aprofundamento racional. Enquanto este último partia da própria experiência concreta dos entes que rodeiam o mundo em que vivemos, sem conceber a ideia de um mundo transcendente, aquele desenvolveu uma filosofia que defende a concepção de duas realidades, uma imutável e perene (o mundo inteligível), e outra ilusória e passageira (o mundo sensível). Tais pensadores foram responsáveis pelo desenvolvimento de uma ampla gama de conhecimentos, em especial para a nossa compreensão da alma e da psique humana.

A partir dessas filosofias que fizeram história, surgiram novas escolas filosóficas e novos conhecimentos, bem mais complexos e bem mais aprofundados. Hoje o que vemos é uma tradição milenar repleta das mais diversificadas problematizações, das mais desconcertantes perspectivas e das mais divergentes ideias na sua tentativa de alicerçar novas teorias, a fim de avançar na criação de novos conhecimentos e de novas problemáticas.

O desdobramento do pensamento ocidental estimulou obviamente o surgimento do perspectivismo nietzschiniano, do niilismo Schopenhauriano, do abismo Kantiano para o conhecimento, do racionalismo cartesiano, do empirismo inglês, do materialismo histórico desenvolvido por Marx, do positivismo, do existencialismo em suas variadas facetas e de tantas outras filosofias que deram uma sustentação às ciências humanas e uma forte inspiração às vanguardas artísticas do século XX.

A respeito do que significa a filosofia através de uma ótica mais contemporânea sobre a sua origem, um saber que rompe com qualquer superficialidade ao manter um certo rigor nas suas elucubrações e que desde os tempos mais remotos tem tentado dar uma compreensão profunda sobre o que seja o ser, Heidegger de forma rigorosa nos apresenta num ensaio filosófico ''O que é isso- A filosofia?" uma bela reflexão que nos mostra o papel do saber filosófico nos seus primórdios e que sem esse conhecimento dificilmente podemos compreender os seus desdobramentos :''A respeito à questão: Que é isto--a filosofia? consiste no fato de correspondermos àquilo para onde a filosofia está a caminho. E isto é: o ser do ente. Num tal corresponder prestamos, desde o começo, atenção àquilo que a filosofia nos inspirou, a filosofia, quer dizer, a philosophia entendida em sentido grego''. ou então: ''A filosofia procura o que é o ente enquanto é. A filosofia está a caminho do ser do ente, quer dizer, a caminho do ente sob o ponto de vista do ser. (....) O ser do ente consiste na entidade. Esta, porém, a ousía, é determinada por Platão como ideia, por Aristóteles como energia.''

É importante lembrar que para compreendermos a tarefa da filosofia, é indispensável que façamos um retorno a tradição e que realizamos um estudo de suas origens, sem o qual seria impossível entender a diferença entre a filosofia ocidental e suas problemáticas, e aquelas filosofias orientais, cujos saberes são essencialmente intuitivos e inspirados, além de serem manejados na praticidade da vida, ao ponto de não terem aquela necessidade de recorrer a longas elucubrações sobre o sentido da vida, sobre a origem do cosmos e sobre o próprio significado do que é ser. Podemos dizer que Heidegeer é esse filósofo que, de fato, nos ensina a dialogar com a tradição filosófica surgida dos gregos. Com isso, ele elabora um método de hermenêutico de ontologia fundamental para que possamos ter uma compreensão mais abissal sobre o verdadeiro sentido do ser; sentido esse que, segundo o filósofo alemão, foi tão obscurecido e esquecido ao longo da história da filosofia ocidental.

A INFLUÊNCIA DAS FILOSOFIAS PARA O PENSAMENTO DE JUNG

Jung, que foi o criador da psicologia analítica, sem dúvida um grande psicólogo e teórico do século XX, aprendeu muito com a filosofia grega, principalmente com Platão e Aristóteles. O primeiro filósofo mencionado inspirou o psicólogo suíço com a sua concepção das ideias inatas, ideias essas pré-existentes no homem; e também com a concepção de alma nos seres vivos, a qual é responsável por animar os corpos e por ser a fonte de todo movimento dos mesmos; já o segundo filósofo mencionado, o inspirou com os seus conceitos de movimento, potência e ato, além influencia-lo com o seu método, que enfatiza a experiência de nossa realidade imanente, sendo determinante para o desenvolvimento da ciência moderna. Jung, por exemplo, se baseia na concepção de atualização aristotélica para se referir aqueles conteúdos psíquicos (os conteúdos de ordem arquetípica) que são constelados na consciência, ou seja, que passam a ter maior vivacidade e força no indivíduo, pois de sua mera possibilidade de ser se transformam em algo atualizado.

Com base em todos esses magníficos conhecimentos advindo dos filósofos antigos e das palavras gregas que tinham uma grande abrangência de significados, como por exemplo a palavra Arché, Jung postula a existência dos arquétipos ou imagens primordiais, que são os conteúdos presentes no inconsciente coletivo.

Arquétipo é um termo empregado para designar modelos ideais, formas sem conteúdo ou tipos primordiais comuns a toda a humanidade, os quais aparecem em todas as eras, culturas e épocas. Na obra tipos psicológicos, o psicoterapeuta de Zurique define esse conceito da seguinte maneira: "A imagem primordial que também chamei de 'arquétipo' é sempre coletiva, ou seja, é no mínimo, comum a todos os povos e tempos. Provavelmente são comuns também a todas as raças e épocas os principais motivos mitológicos." Numa de suas conferências, na qual expõe os fundamentos de sua psicologia analítica, Jung define os arquétipos do seguinte modo: ''Dei o nome de arquétipos a esses padrões coletivos, valendo-me de uma expressão de Santo Agostinho. Arquétipo significa um typos (impressão, marca-impressão), um agrupamento definido de caráter arcaico que, em forma e significado, encerra motivos mitológicos, os quais surgem em forma pura nos contos de fada, nos mitos, nas lendas e no folclore. Alguns desses motivos mais conhecidos são: a figura do herói, do redentor, do dragão (sempre relacionado com o herói que deverá vencê-lo), da baleia ou do monstro que engole o herói''.

Se Platão concebia a existência de ideias inatas, que são na verdade arquétipos ou modelos ideais que precedem a existência do indivíduo (como por exemplo, o modelo do belo e do bem) e que são capazes de orientar o ser humano na sua busca pela verdade, abrindo para ele a oportunidade de conhecer a sua essência através de uma atenta reminiscência, o pensador Jung, na sua tentativa de compreender as suas próprias vivências e também a dos seus pacientes mediante o seu método científico e empírico, chega na mesma conclusão e, além do mais, reforça a concepção de que existe em nós conteúdos herdados e de natureza arcaica que, de forma instintiva, orientam o ser humano nas suas constantes buscas, como é o exemplo da imago dei, que é a imagem de Deus na alma humana (uma evidência científica do arquétipo do si-mesmo).

Segundo o psicólogo, que sem dúvidas foi um exímio estudioso das religiões e das cosmogonias, as imagens primordiais estão presentes nas camadas mais subterrâneas da psique, ou melhor dizendo, nas profundezas do inconsciente. Jung conseguiu obter essas evidências ao prestar atenção nos conteúdos oníricos relatados pelos seus mais diversos pacientes, o qual se prontificava em analisá-los e compreendê-los com todo cuidado e respeito. Também pode descobrir a existência de tais modelos primordiais quando buscava analisar atentamente os seus próprios sonhos, alguns deles de caráter premonitório (os quais eram capazes de propiciar conhecimentos arquetípicos); e quando realizava um estudo comparado das mitologias das mais variadas culturas, a fim de buscar pontos comuns nos seus enredos que pudessem trazer à luz da ciência uma prova mais favorável para a confirmação de suas hipóteses.

Além desses pensadores antigos, como os Pré-Socráticos, Platão e Aristóteles, Jung recebeu grande influência de Kant, Schopenhauer e Nietzsche, sem falar de outros filósofos que defenderam a existência do inconsciente. De fato, todos eles deram primazia no estudo da subjetividade humana e também conceberam a ideia de que existem conteúdos que a consciência humana não tem fácil acesso e fronteiras que a razão não consegue ultrapassar.

Kant, por exemplo, diz que não podemos ter acesso a coisa em si; não podemos, portanto, conhecer a essência das coisas, mas apenas os fenômenos, que não são a totalidade da realidade. Sim, só podemos perceber aquilo que está submetido ao tempo, ao espaço e a causalidade e, portanto, só conseguimos conhecer apenas um aspecto limitado da realidade. Jung, influenciado por esse modo de pensar, certamente se inspirou na perspectiva fenomenológica kantiana, a qual é responsável por postular os limites de nossa racionalidade para a obtenção de um conhecimento mais profundo do mundo em que vivemos, bem como por evidenciar o abismo de nossa capacidade racional entre o que ela pode conhecer e o que ela não pode ter acesso.

Quanto a Schopenhauer, Jung se inspirou na sua perspectiva vitalista, onde a vontade é a própria essência do mundo, a coisa em si ou mesmo a raiz de todos os fenômenos. Aprendeu também com a sua noção de que, por exemplo, não vemos a realidade em sua essência, mas apenas a uma representação desta, onde não temos acesso a essência do sol, da terra ou do rio, mas apenas aquilo que os nossos sentidos e o nosso entendimento consegue perceber do seu fenômeno. O que existe então é o que o filósofo chama de véu maya, que seria um véu de ilusão responsável por encobrir e ocultar a verdadeira essência da vida.

Com essa filosofia em mente, Jung chega a uma compreensão mais profunda do inconsciente e entende que não somos completamente donos de nós mesmos, mas somos atingidos por conflitos inconscientes que só podemos ter acesso através de um admirável autoconhecimento, o qual é indispensável para conhecermos a nossa sombra e quem sabe chegarmos ao processo de individuação.

O pensador alemão, escritor do livro O mundo como vontade e Representação, concebe a força vital, a vontade (que poderíamos associar ao nosso inconsciente), como a causa de todos os sofrimentos e dores da humanidade. É interessante pensar que tais sintomas decorrentes das tendências inconscientes, as quais geram grande angústia e dor, foram de grande utilidade para Jung no seu estudo das neuroses e das psicoses responsáveis por afetarem negativamente o psiquismo humano.

O próprio Schopenhauer se inspirou nos ensinamentos do budismo e do cristianismo. Pois nessas religiões a salvação do indivíduo se dá quando ele atinge um grau profundo de santidade que torna possível o seu triunfo sobre os desejos mais terríveis da carne. E é justamente esse caminho que o filósofo alemão aponta para que o ser humano supere o seu sofrimento e alcance a felicidade e a serenidade. Através da negação da vontade, ele enfim atinge o nada absoluto, um estado paz, repouso, liberdade e bem-aventurança.

Baseado nessa filosofia irracionalista e também influenciado pela beleza das concepções cristãs e budistas que exortam sempre a uma vida de santidade e de autoconhecimento, de asceticismo e de abnegação, Jung elabora um conceito referente a totalidade psíquica alcançada quando o ser humano amplia a sua consciência para além dos limites do seu ego. Para ele, há uma clara diferença entre o pequeno eu, com seu horizonte bem limitado de conhecimento do seu íntimo, e o si-mesmo, que é a totalidade psíquica do indivíduo tal como nos mostra numa conferência contida no livro civilização em transição. Já na obra, volume 9-2 chamada Aion, ele se preocupa em elaborar esse assunto de forma cuidadosa, desvelando as complexidades do simbolismo do si-mesmo através da figura máxima do cristianismo, Jesus Cristo. A respeito desse livro, o psicólogo comenta na sua autobiografia Memórias, sonhos e reflexões o que se segue: ''(...) Tentei por em relevo a concomitância entre a aparição de Cristo e o início de uma nova era, a do mês universal do mundo dos peixes. (...) O problema do Cristo, abordado no Anion, conduziu-me finalmente à pergunta de como o fenômeno do Antropos, o grande homem que há em todo homem- psicologicamente falando, o si mesmo- se exprime na experiência de cada um''. Como se vê, o aspecto religioso, assim como a dimensão espiritual da vida humana, interessava muito para a elaboração de sua psicologia profunda e analítica.

Passando agora para a filosofia de Nietzsche, só para apresentar o tamanho de suas influências nesse campo, Jung aprendeu muito com a sua perspectiva de super-homem e também se inspirou provavelmente no valor incondicional que ele deu a essa própria vida terrenal através de seu personagem Zaratustra, o profeta do além-do-homem e do eterno retorno. Ele certamente se baseou nas suas noções de vontade de potência, uma vontade criadora dos próprios valores, e na sua perspectiva de resgatar o impulso criativo dionisíaco para a existência humana, o qual é responsável desde os tempos mais antigos por impulsionar a fruição artística, sendo ela também o elemento imprescindível da filosofia de Nietzsche.

Ora, com essas ideias em mente, o psicólogo do inconsciente coletivo postulou o conceito científico de persona e de sombra. Para um ser humano chegar a sua individuação e atingir a compreensão profunda do seu si-mesmo, é importante que ele não só se dê conta de qual persona ele se utiliza para viver em sociedade, mas também que ele conheça a sua sombra, que é a aquela parte mais obscura de sua alma, aquela parte que ele não mostra para ninguém e que às vezes fica até receoso de vir a reconhecer a sua existência em seu psiquismo.

Para esclarecer o leitor sobre este assunto, remeto o leitor a um trecho do livro civilização em transição onde ele diz: "Confrontar alguém com sua sombra significa também mostrar-lhe sua luz. Quando se experimenta algumas vezes o que significa estar na posição de julgador entre opostos, então a gente percebe com clara evidência o que se entende pelo próprio si-mesmo. Quem percebe ao mesmo tempo a sua própria sombra e sua luz este enxerga dos dois lados e, assim, fica no meio". Enfrentar, portanto, o desconhecido presente nas profundidades do psiquismo, na psicologia junguiana, é condição para o desenvolvimento e amadurecimento do ser.

Como foi possível notar, Jung foi um estudioso de várias áreas do conhecimento e viveu sempre aberto a conhecer o novo e a tudo o que se refere ao estudo da alma, da espiritualidade e do psiquismo humano. A influência do racionalismo cartesiano e do cógito certamente o levou a conceber a existência do eu (ego), no entanto percebia que essa era uma pequena parte da psique humana em meio a um universo pouco desbravado.

No livro ''Na natureza da psique'', o autor nos dá um esclarecimento sobre o que ele pensa sobre a vida e o quanto nosso ego é estreito e limitado para as coisas que diz respeito a espiritualidade: ''Só uma vida vivida dentro de um determinado espírito é digna de ser vivida. É um fato estranho que uma vida vivida apenas pelo ego em geral é uma vida sombria, não só para a pessoa em si, como para aquelas que a cercam. A plenitude da vida exige muito mais do que apenas um eu; ela tem necessidade de um espírito, isto é, de um complexo independente e superior, porque é manifestamente o único que se acha em condições de dar uma expressão vital a todas aquelas virtualidades psíquicas que estão fora do alcance da consciência do eu.''

Assim como Freud, Jung foi um exímio desbravador da mente e de suas possibilidades incríveis, chegando mesmo a ir até ao mais desconhecido e até ao lado mais sombrio da alma para elaborar uma nova maneira de compreender os fenômenos psíquicos, maneira essa que porventura pudesse favorecer ainda mais o nosso autoconhecimento e a fecundidade das descobertas de quem somos.

E com base na empiria tão bem salientada por Hume e pela influência da fenomenologia com base na filosofia de Kant, o psicólogo suíço descobriu pelos sonhos e fantasias dos seus pacientes adoecidos aqueles conteúdos inconscientes de ordem tipicamente pessoal, como já havia muito bem aprendido com o seu professor Freud; mas também aqueles conteúdos inconscientes de natureza arquetípica e que, diferentemente dos complexos, estão muito presentes nos enredos das mitologias de várias culturas e nações que ele mesmo teve o privilégio de visitar, bem como nas estórias dos contos de fadas, nas fábulas, nos folclores e nas literaturas espalhadas pelo mundo.

Apoiado nessas descobertas que contribuíram para a compreensão, por exemplo, do que seria a imagem primordial do herói e do velho sábio através dos fragmentos extraídos das mais variadas literaturas que apresentam vestígios de raiz mitológica e arquetípica, Jung então conseguiu defender com maior propriedade a existência de uma camada mais profunda da psique humana, o inconsciente supra-pessoal ou inconsciente coletivo. Além dessas fontes de conhecimento, o psicólogo e psiquiatra de Zurique apresentou em algumas de suas obras-primas belos desenhos de mandalas das mais variadas origens, ao mesmo tempo em que propiciou esclarecedoras e valiosas análises psicológicas das mesma, enriquecendo ainda mais as suas produções científicas e comprovando muitas de suas hipóteses sobre a dinâmica do inconsciente. No livro autobiográfico escrito quase no final da vida, Memórias, sonhos e reflexões, Jung nos dá um excelente esclarecimento sobre forma de expressar a nossa totalidade: ''A mandala é uma imagem arquetípica cuja existência é verificável através de séculos e milênios. Designa a totalidade do si-mesmo, ou ilustra a totalidade dos fundamentos da alma- no sentido mítico, a manifestação da divindade encarnada no homem.''

Para terminar essa exposição sobre as ideias do pensador e cientista suíço, remeto o leitor para um trecho do livro ''Os arquétipos e o inconsciente coletivo'', onde o mesmo ilumina a nossa compreensão sobre as complexidades da psique humana, salientando aquilo que pouco conhecemos em nós mesmos e que, ao mesmo tempo, pode exercer grande influência no comportamento dos seres humanos: ''Uma camada mais ou menos superficial do inconsciente é indubitavelmente pessoal. Nós a denominados inconsciente pessoal. Este, porém, repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem origem em experiências e aquisições pessoais, sendo inata. Esta optei pelo termo coletivo pelo fato de não ser de natureza individual, mas universal; isto é, contrariamente à psique pessoal ele possui conteúdos e modos de comportamento, os quais são cum grano salis os mesmos em toda parte em toda parte e em todos os indivíduos. Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, consistindo, portanto, um substrato psíquico comum de natureza psíquica supra- pessoal que existe em cada indivíduo''.

Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 13/05/2020
Reeditado em 23/07/2023
Código do texto: T6946464
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