O ATO DE PARIR O POEMA

Entendo que a Poesia, em mim, é resultado de uma espécie inusitada de condenação ao pensar. Quando se é condenado a ela não há como fugir dessa condição emocional e destinação não eletiva. A Poética nos descobre e nos escolhe como arautos do Bem. A rigor, nem sei como explicar porque me manifesto neste formato inteligível que nem a todos toca ou atinge. Somente os poetas-leitores a consomem com mais facilidade. Todavia, é assim que a pressinto nas artérias e veias. A inteira voz poética pulsa nas entranhas. E chego a me aperceber de que é ela quem me mantém vivo para um cotidiano diverso do das pessoas do lugar comum da vida. No entanto, não há altissonância nem soberba na (minha) voz poética, pois me sei apenas o humilde arauto que anuncia o poema. Nada há de novo: a Poesia já estava no cadinho fervente das reflexões e nos sentires frente aos desafios do viver. Cabe ao (meu) alter ego fazer a tradução provinda do inconsciente, que emerge temerosa e sujinha de sangue, num ato de parir nunca precocemente anunciado. Logo após, num segundo momento, a "inspiração" dá lugar à "transpiração", mas o sangue continua vivo, pulsando nos cadinhos do sentimento e, nesta espera, os neurônios vivificam-se na entrega à vida. Aporta-se então a mentira deslavada e inconfessa, a farsa, a fantasia, o sonho, com arte e zelo, tudo artimanha para confessar, denunciar e tentar pegar um naco de felicidade para si próprio e para o outro. O poema é nascido visceralmente de mim, mas não é meu, é do pertencimento do poeta-leitor. Esse é, a meu ver, o espelho que reflete o "amar ao semelhante", na pregação crística. Assim percebo a minha "condenação ao pensar e a imposição de dizer sobre ela, a Poesia, que no dizer do mestre gaúcho Armindo Trevisan é a LUCIDEZ ENTERNECIDA. O poema, que é a voz de sua materialidade, é o alforje do Bem. E a sua conjunção verbal é transformadora.

MONCKS, Joaquim. O PAVIO DA PALAVRA. Obra inédita, 2015/21.

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