Sobre Relações Pessoais
(em três atos)


2º ato

Codependência: O Cavaleiro, a Princesa e o Dragão

A codependência é uma disfunção da interdependência consciente e natural. Ela existe quando duas pessoas estão envolvidas em um relacionamento em que a liberdade é auto cerceada pela dependência doentia entre elas, presas no círculo vicioso da armadilha “neuro romântica” cujos protagonistas são: o herói, a princesa e o vilão.
 
No teatro da codependência, apenas dois atores desempenham o papel dos três personagens. O herói é, ao mesmo tempo, o vilão; e a princesa é a vítima agredida por ele, vilão. Neste processo, não importa as qualidades ou defeitos dos atores individualmente. O “neuro romance” é uma disfunção da relação entre os personagens e não dos atores envolvidos, embora as características ou traumas pessoais contribuam definitivamente para atraí-los para a armadilha.

Embora a narrativa abaixo compreenda a relação entre um casal, a codependência pode ocorrer entre mãe e filho, entre irmãos e quaisquer pessoas ligadas por laços afetivos, mantendo as mesmas características. Eis o mecanismo:
 
Heroísmo, heroísmo. Este é o papel dele na relação. É inconsciente, porque ele não decidiu ser herói. Apenas aprendeu, durante toda a vida, assim como todos os homens aprendem, que seu papel é o de herói e, como tal, não tem fraquezas ou não as pode expor. Ele é o conquistador, o supridor, o cuidador, o responsável pelo equilíbrio da relação, não importa a eficácia do método. E ele se sente bem como herói, porque assim está cumprindo seu papel...

Entregou-se, há muitos anos, ao círculo vicioso da armadilha romântica do heroísmo. Sua mulher é a vítima – papel que trouxe de uma cultura machista e de uma infância carente - sempre descobrindo novas ameaças que atraiam a atenção do marido herói. Pseudodoenças, fraquezas, enxaquecas, dores, depressões e tudo o mais. Ela realmente sente tudo isso, mas porque precisa sentir. Inconscientemente imagina que se assumir sua autonomia emocional não mais terá a atenção do marido, e será abandonada em sua fraqueza feminina.
 
Neste triângulo neuro romântico, ela é a vítima e ele o herói que a socorre de seus achaques. E porque o triângulo? Porque onde há vítima e herói, deve haver também o vilão: a princesa, o cavaleiro e o dragão. O dragão-vilão ataca a princesa-vítima; o cavaleiro-herói a protege do dragão.

E onde se esconde o vilão nesta relação? O vilão se esconde atrás do herói. Quando a vítima foi salva, o herói perdeu seu papel. A tensão inicial da cena neuro romântica desaparece: a esposa vítima retomou seu equilíbrio. Relaxado, ele agora pode descansar, como um cavaleiro cansado e ferido que acaba de voltar de uma batalha e quer dar a si mesmo um pouco de repouso e lazer.
 
Mas a princesa não pode ficar sem a atenção do cavaleiro. Quando o herói executou seu papel, a princesa perdeu seus motivos de vítima. Precisa agora a todo custo inventar um novo dragão-vilão, para manter seu protagonismo. Quem? Quem, senão o herói, extirpou impiedosamente da vítima suas razões? Como prosseguir em seu papel, se num ato de puro vandalismo o herói destruiu toda a argumentação da vítima? E como permitir que seu herói, mesmo traumatizado pelo embate, agora lhe vire as costas?

Eis que, como fruto do desempenho impecável de sua função, o herói, ele mesmo, se transforma agora em vilão, pelas mãos da própria vítima, que consegue converter qualquer pretexto em pecado capital que desperte a culpa no cavaleiro, agora vilão. Trava-se então a batalha do herói contra si próprio que, por vingança da vítima, foi convertido em dragão. E ele permite que assim seja, pois não há como manter seu status de herói quando não há vilões para derrotar.
 
A princesa, para sentir-se novamente salva, precisa que o novo vilão - ex herói - humilhe-se por erros e desculpe-se por culpas que lhe são atribuídos pela vítima. E, para conquistar o efêmero sorriso da princesa, ele se rebaixa até onde o chão o permite. Mata o dragão que existe em si mesmo e desponta novamente como herói, por uns poucos momentos, até que o ciclo vicioso recomece. E ele sempre recomeça...indefinidamente.