Entrevistado por Sônia Casalotti.

1- Conte um pouco sobre sua infância e a influência da literatura em sua vida desde a tenra idade.

Nasci da terceira gravidez de d. Lia, no Hospital dos Servidores do Estado – HSE. Naquele hospital fui internado aos sete anos de idade para ser submetido a uma laparotomia exploradora, jogara bola na rua o dia inteiro, o apêndice supurara. Tenho até hoje uma cicatriz de um palmo vertical ao lado direito do umbigo. A primeira profissão que me deu algo foi a medicina, ao salvar-me a vida. Fiquei 15 dias internado – uma situação grave. Os médicos, as enfermeiras, o carinho que eu recebi, provocaram em mim uma afeição pela medicina. Ao sair de alta já tomara a decisão de ser médico quando crescesse.

Oswald Splenger, autor do livro A decadência do ocidente, tem uma tese da qual sou adepto: o homem é o mesmo dos 5 aos 50 anos. Tenho 55 anos e por motivos vários somente nestes últimos 5 anos posso dizer que mudei. Posso dizer que deixei de ser um menino para tornar-me um homem maduro, sem que isso tenha significado qualquer imaturidade antes, pois realizei minha carreira de médico, casei duas vezes, tenho duas filhas, uma de cada casamento e estou casado há 18 anos.

A infância foi vivida até os 7 anos na Rua Luís Anchieta, bairro do Jacarezinho, no primeiro andar de uma casa sob um sobrado onde morava outra família, lembro que se chamava d. Carmem a mãe da Neide, a primeira garota a ganhar uma rosa de mim no dia dos namorados, quando fui acorda-la bem cedo.

Depois mudamos para a Rua Tavares Ferreira, no Rocha, bairro de estação de trem, meu pai trabalhava perto. Era químico supervisor de produção no laboratório Silva Araújo Russel – SA: o SARSA, que produzia o Vinho Reconstituinte Silva Araújo, muito exportado para os EUA na época da Lei Seca. Lembro que um dia entrei no laboratório de estufas de colônias de Penicillium Notatum, o fungo que produz a penicilina; fiquei impressionado com aquelas nuvens amareladas de hifas, sob vidros espessos e iluminadas por lâmpadas quentes. Foi a primeira vez que vi nuvens sob mim, depois só quando andei de avião.

Meu pai, Alberto Daflon, falecido em julho de 2008, era um contador de estórias, ambientadas na roça, visto que, filho de fazendeiro tivera sua infância à beira dos rios, pegando rãs, pescando, andando a cavalo. Foi com papai que comecei a gostar de estórias, através da oralidade pai-filho, que considero hoje material para fabulação a ser explorado.

A partir dos 15 nos, nos anos sessenta e até o fim dos anos 80, moramos na Tijuca, então o melhor bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Tanto do Rocha como da Tijuca, onde tinha uma turma da esquina excelente, que gerou desde profissionais muito bem sucedidos até um mendigo. Desses dois lugares, Rocha e Tijuca, eu tenho muita coisa para contar. Entrei para a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1973, começando o curso médico com 19 anos. Aos 23 anos saí de casa para ir morar num dos quartos do alojamento de internos e residentes do Hospital Pedro Ernesto, no penúltimo ano do curso.

Só fiquei reprovado em 3 matérias, quando tive que fazer prova de segunda época: em fisiologia, em psicologia clínica e em pediatria, hoje sou pediatra e especializado em medicina psicossomática, tal a importância que a infância e a compreensão dos dinamismos psíquicos da criança. O professor de fisiologia já era caduco, tinha sido ótimo, mas não soube parar na hora certa.

Respondi sua pergunta sobre a infância até me tornar um adulto jovem. Pensei em fazer psiquiatria, mas fui honesto, preferi me tornar paciente de um psicanalista e fazer pediatria, onde, na prática, ajudei muitas crianças com os conhecimentos adquiridos nos estudos de psicologia e de pediatria. A infância até os 50 anos permaneceu em mim. Hoje é memória, às vezes boa às vezes ruim, como tudo na vida.

Mas isso é matéria para eu escrever, como já escrevi em alguns contos e poemas.

2- Era um bom aluno? Quais disciplinas mais apreciava e por quê?

Sempre tive letra feia, pouco inteligível, no papel sempre escrevo em letra de imprensa. Nunca tive dificuldades em ciências, português, história, geografia, física ou química, mas no ginásio fiquei em segunda época em três dos quatro anos em matemática que exige raciocínio lógico. Sou péssimo em matemática, chego a sentir medo dessa matéria.

3- Fale sobre sua família e a importância dela em sua formação.

Isso tudo escrevi no livro VENTO PASSADO_MEMÓRIAS DO RECRUTA 271. Sobre o qual você escreveu uma resenha.

4- Como chegou ao Recanto das Letras?

Recebi a informação no site Vale das Sombras, que freqüentei por um tempo e que é mais para quem escreve sobre temas góticos, sobre os quais ainda não estudei, embora tenha noção do que seja romance negro.

5- Fale sobre o seu processo criativo.

Sempre gostei de escrever. Desde adolescente escrevi poesias, no início mais como catarse. Hoje prefiro a dor à catarse. Há também os estudos literários, que são essenciais a quem quer escrever seriamente. Procuro escrever todo dia, como compromisso. O resultado do reconhecimento se vier, virá desse jeito. Senão continuarei a escrever por prazer, mas nunca um prazer sem compromisso com a arte.

6- Quais os autores brasileiros que merecem destaque, em sua opinião? Por quê?

Em crônicas Rubem Braga, Joel Silveira, Carlinhos de Oliveira, Fausto Wolff, Bernardete Lyra, Millôr Fernandes, Contardo Calligaris, Fernando Sabino.

Em contos Rubem Fonseca e Fausto Wolff, Graciliano Ramos, Ricardo Ramos ( seu filho), Lígia Fagundes Telles, Domingos Pellegrine, João Gilberto Noll, Moacir Scliar, Guimarães Rosa, Márcia Denser, .

Em romances Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Fausto Wolff, Guimarães Rosa, Paulo Francis, Lígia Fagundes Telles, Moacir Costa Lopes, Fernando Sabino, Gastão de Hollanda, José Roberto Torero.

Em poesia Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto, Manuel Bandeira, Alex Polari Alverga, Ana Cristina César, Paulo Leminski, Bith, Casé Lontra Marques, Paulo Mendes Campos.

Poetas estrangeiros: François Villon, Dante Alighiere, Camões, José Régio, Fiama Hasse.

Romancistas estrangeiros: Doris Lessing, José Saramago, Somerset Maughan.

Comecei a gostar de ler, como muitos homens da minha geração , com Monteiro Lobato.

Quem não lê não escreve bem, essa é a possível influência deles na minha maneira de escrever.

7- Quais planos ainda não foram realizados?

Ler as obras completas de Shakespeare este ano.

8- O que pensa sobre os “escritores” e “leitores” do Recanto?

Tem muita gente que se diz profissional e nem poderia ser chamado de leitor, mas como ousam escrever estão todos de parabéns. Tenho minhas preferências, mas estou há apenas dois meses no Recanto para falar mais sobre isso.

9- Como sua formação profissional influencia a sua escrita literária?

Sou médico, mas antes de ser médico já escrevia, mesmo antes de entrar para a Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.

10- Dê sugestões para que o site se aprimore.

Seria bom se os gerentes do site publicassem anualmente os 10 melhores textos de cada gênero num livro, eles ganham bastante dinheiro para fazer isso.

11- Desde quando a literatura faz parte de seu cotidiano como escritor?

Desde sempre, acho que é genético.

12- Comente seu estilo literário.

Não sou ninguém no mundo literário para comentar

isso.

13- Quantos e quais livros já publicou? Como foi essa experiência?

Três livros: um ensaio, um romance e um de poesias. Eles

estão relacionados no meu perfil, já publiquei poemas e contos em antologias.

14- Ao ler seus textos pode-se acompanhar alguns momentos pessoais seus? Como foi essa experiência?

Muitas vezes foi melhor relatar do que vive-las e vice-versa.

15- Declare algo que julgue importante aos Recantistas.

Conheçam os gêneros literários, evitem cometer erros de português e aceitem críticas, quem escreve não deve ser muito susceptível a críticas, deve pelo menos no início ter a humildade de aprender com as críticas.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 11/01/2009
Reeditado em 10/01/2010
Código do texto: T1378497
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