A Honestidade do Autor-Escritor

Luciana Carrero

Os alter-egos, penso que não sejam propriedade do autor, e que nem façam parte do subterrâneo da sua personalidade interior. Isto seria uma teoria simplista. Considero-os uma espécie de consciência cósmica, que nos abarca no ato de escrever. Me debati muito com os alter-egos, querendo julgá-los, censurá-los, trazendo à tona só o que interessa ao meio social reinante. Quando senti que estava errada, descobri um cenário imenso para minha criação. Deixei de censurá-los; não os aproprio como Fernando Pessoa e outros mais. Eles chegam e eu os recebo. Então falam pela minha boca, na hora da criação. É preciso conhecê-los, dissecá-los; instigar o leitor a pensar neles e tirar conclusões. O bem e o mal são relativos; e o mal precisa falar, para, talvez, purgar-se. Esta é minha esperança. Então vou fazendo o meu trabalho de libertação, ao dar voz a todos, indistintamente, porque todos precisam expressar-se. Se a todo o mal captado de um alter-ego eu não der voz, não o trouxer à tona, ele se expressará na realidade física do mundo. Acho que eu lhe dou oportunidade de desnudar-se, sem fronteiras, sem preconceito, para a devida purgação. O professor Irmão Elvo Clemente já decifrou isto, quando escreveu, sobre o meu livro Cóleras Homicidas”, (isto em 1983), “Per crucem ad Lucem”. Se isto for verdade, estás no caminho certo” – Pensei: pois é, alguém tem de fazer o trabalho sujo ante a bipolaridade que vemos no mundo.

Vejo que, em vários aspectos, fui enquadrada (identificada), como escritora, embora não nominalmente, em um texto de Joaquim Moncks Afora este seu citar de satisfação do ego, está de acordo com o meu pensar. Não que eu não o tenha, mas porque é segundário (sic), digamos até tercerário (sic), para mim. Mas quando alguém me considera desenquadrada ou lê meus textos e tira conclusões de que são do meu instinto escondido, digo simplesmente que o trabalho como autora é meu, a forma como o transformo em peça literária é minha, e disso não abro mão. Mas os personagens não são meu eu. A literatura é fantástica, por isso pouco entendida por todos. Eu não tenho e ninguém tem alter-egos. Somos nós que escrevemos, conforme a profundidade ou amplitude com que vemos o universo. E sempre digo: Não me Julguem pelos meus poemas”, pois há uma tendência das pessoas em pensar que sou aquilo que escrevo. Eu como pessoa sou “eu”, com minha personalidade e vivências. Como escritora, sou porta-voz do universo. Alter-ego é uma metáfora. Se eu tivesse tantos alter-egos como os que se apresentam nos meus escritos, já estaria louca de pedra. Mas, como sei lidar com eles e eles já confiam em mim, me dou bem. Cumprida a minha missão de contemplá-los ( estes espíritos), vão lá para os quintos dos infernos ou para as glórias do céu, conforme lhes aprouver ou de acordo com de onde tenham vindo. E, ainda, de acordo com para onde irão, agradecidos pela contemplação e divulgação que lhes dei. Oferecer flores a uma uma mulher, para conquistá-la, é menosprezar sua inteligência. Dizer que vai buscar a lua para sua namorada foi o maior equívoco, e ainda é, de todos os poetas. Porque sabemos que a lua não é nada mais que um amontoado de pedras. Nestes casos, a metáfora exagerada é até um crime. Quem de sã consciência, se pudesse, iria jogar este monte de pedras para o seu amor? A poesia precisa encontrar a realidade, sem desprezar os bons sentimentos, é claro e sem deixar de ser poesia.

Isto quer dizer que possa contemplar o perfume das flores e a fraternidade, os perfumes, os olores, como dizem, mas, ao mesmo tempo, pode ser realista ou fantástica e até mexer em feridas que a humanidade se recusa a conhecer. Escrever sobre o mal não é o mal. Mas esconder o mal é não escrever com honestidade.