TRAGÉDIA NA OBRA INACABADA

A confusão foi geral naquela obra que mal começara. Ferramentas, acessórios e materiais de construção se rebelaram entre si. Pelo visto, a casa caiu antes de ser erguida. O nível por lá desceu tanto, que a pedra britada quis ter um papo concreto com o vergalhão, por ele não estar oxidando bem com o arame queimado, e o vergalhão a mandou para se sabe onde, mesmo antes de o banheiro ter privada.

Na verdade, já rolava uma confusão entre os outros itens, por desentendimentos, desencontros, vaidades pessoais e pouca vergonha. O prego, por exemplo, que sempre foi um prego mesmo, resolveu dar uma cantada na areia, mesmo depois de ouvir os conselhos do tijolo, que o advertiu: "A areia é tinhosa, e ainda por cima, tem marido cimento.". Prego é assim mesmo. Não tem argamassa cefálica, e nem se tocou de que acabaria sozinho, pois em briga de marido, mulher e conquistador barato ninguém mete a colher de pedreiro. O casal entrou em parafuso, a coisa ficou feia pro abusado e até a água, que tentou esfriar os ânimos, se deu mal. Entrou pelo cano antes da hora e foi parar no esgoto inacabado.

Paralelamente, a makita entendeu de gritar mais alto e o mármore não gostou. Disse "corta essa!", e não deu outra: Imediatamente a danada cortou o mármore, gritando mais alto ainda. O granito, primo do mármore, apareceu para vingar o parente com uma tomada de decisão que gerou um curto circuito e danificou bastante o que já estava mal feito e prejudicado.

Mas a barra ficou ainda mais suja quando a tinta resolveu pintar no ambiente, com a decisão de também pintar o sete. Meteu a borrada nas paredes e depois caluniou a pá, dizendo que a toda hora ela puxava um barro. Tímida e cheia de recato, a pá ficou com a vista toda enxada, de tanto chorar. Cenário e cena ficaram tão pesados, que alguém achou melhor chamar o serrote. Sábia decisão, pois realmente urgia serrar aquela discussão incendiária que parecia sem fim. Até os bocais ainda sem lâmpadas começaram a se meter, como se pudessem dar uma luz, mas o assunto não tinha teto nem base confiável. Já estava tudo abalado.

Fato é que a obra terá de recomeçar do zero. Se não for assim, nem as cortinas entrarão nos trilhos e a tragédia será completa quando a laje abatida for à forra contra o forro como já prometeu, e disse: "É PVC nunca mais se meter comigo.". A furadeira, que também deixou seus furos, porém se arrependeu, faz coro à batida do martelo, que proferiu a sentença: "Não quero saber de picareta! É só meter a marreta em tudo e aguardar uma nova planta!".

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 31/01/2016
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