Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória
 
Por Jota Kameral
São Paulo, abril de 2010
 
Quando éramos crianças, no início dos anos 1960, a maioria das ruas do nosso Porto Calendário [livro de Osório Alves de Castro] ainda não eram calçadas. O areão tomava conta de praticamente toda a cidade. Nos momentos em que o sol estava a pino, as areias, de tão quentes, pareciam recém-saídas dos fornos de tijolos das olarias existentes ao redor da cidade e, para podermos atravessar estas ruas ou por elas passar, para vencer o calor das areias escaldantes, tínhamos que andar apressadamente, num quase correndo, como se estivéssemos “Flutuando na Areia”. E quando passeávamos na beira do Rio (Ave) Corrente, com suas águas esverdeadas, escuras e correntes, lembro-me que nos barrancos da Rua de Cima, no sentido das Pedreiras, lá para as bandas da manga do Véi Anacleto, ou, na Rua de Baixo, lá para as bandas da Sambaíba, antes de entrarmos na água para molharmos os pés ou até mesmo tomarmos banho, tínhamos o costume de tocarmos numa planta sensitiva, repetindo o ritual falado de “Maria fecha a porta prau boi não te pegar” [livro de Osório Alves de Castro], e ela fechava todas suas folhas.
 
O tempo foi passando, as ruas, hoje, já estão calçadas, a cidade do Porto Calendário evoluiu, modificou-se. Agora é “A Cidade Que Não Dorme” [livro de Jehová de Carvalho, referindo-se a Salvador]. Posso ver isto através da foto colorida tirada pelo Hermes, a qual contrasta com as fotos em preto e branco do passado. Trata-se da capa de um belo presente dado por alguém tão especial, filho da terra: o poeta Novais Neto. É através desta foto da capa que me dou conta de que nosso Porto Calendário não é mais apenas um Porto Calendário. E que seu calendário, a partir de hoje, é um calendário centenário. O poeta Novais tratou disto com amor e carinho, homenageando esta terra tão boa e de tantos contrastes com seu mais novo e recente filho: Meu Lugar é Aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória. Uma obra ímpar, um verdadeiro cartão postal da cidade, obra para a posteridade.
 
É fazer chover no Corrente, ao dizer que este novo livro é uma opus que canta e encanta. Posso dizer que nela Novais demonstra que, ao longo destes quase dezenove anos, tem evoluído mais e mais na arte de fazer versos (versejar). Ele está tão à vontade nesta arte, que já começa a brincar com os versos e com as palavras, como fazia William Shakespeare, que tinha o grande dom para fabricação de palavras novas, o que nos permite estimar seu vocabulário em cerca de 30.000 termos, um dos maiores do que qualquer outro escritor inglês, e muitas delas ainda correntes, na língua anglicana. Novais já está fazendo isso, quando traz à tona palavras da nossa cultura que estavam esquecidas e enterradas. Elas estão nos poemas e nos textos. E como se já não bastasse ser este grande poeta, o escritor, agora, transformou-se em nosso Paio Soares de Taveirós, que inaugurou a literatura portuguesa com a primeira cantiga de amor e escárnio feita para Maria Pais Ribeiro, a Ribeirinha. Novais nos brinda com estas cantigas de amor e amigo, de escárnio/maldizer. Ele deve ser o primeiro trovador de Santa Maria da Vitória. Não tenho conhecimento de nenhum outro trovador santa-mariense conhecido. As trovas do poeta são monumentais. E olha que ele disse que é apenas um mero aprendiz. Imagina se um dia ele chegar a mestre? Será uma loucura.
 
Não tenho condições de tecer comentários literários sobre a poesia de Novais, seus contos e suas crônicas. Hoje, não estou capacitado a fazer tal coisa. Primeiramente, devo pedir a você, Novais, que não demore tanto a nos brindar com novas obras suas. Sei que passou por trovas e trovoadas para conseguir deixar seu livro pronto para o Centenário. A Prefeitura de Santa Maria, juntamente com os empresários, tinha a obrigação de ter ajudado, para que sua obra, presente ao Centenário de nossa cidade, chegasse com mais facilidade às mãos dos cidadãos e visitantes, até de forma gratuita, como um brinde da festa dos cem anos, já que milhões, possivelmente, foram gastos para tal evento, que, para alguns, não foi assim tão de arromba (não sei e nem posso afirmar, pois seria leviano).
 
Ao furtar-me de analisar alguns poemas do notável poeta Novais Neto, não me furtarei de analisá-lo como amigo, como escritor e como poeta. Como amigo, Novais é aquela pessoa que é capaz de sacrificar-se por um amigo, Por exemplo, em um carnaval destes da vida, certo dia, quando eu estava pulando nas rua de Santa Maria, cometi o sacrilégio de beber geladíssima, estando totalmente suado. Em razão disto, peguei uma broncopneumonia daquelas. E ele, diariamente, me visitava, comprava remédios para mim e, enquanto não sarei, não se sossegou.
 
Em outro dado momento, na primeira turma de Contabilidade [do Centro Educacional Santa-mariense], homenageada por ele no poema “Falência Contábil de um Amor”, eu faria parte dela se, no primeiro ano, não tivesse sido reprovado em matemática. Novais, todos os dias, dava-me aulas, desesperado para que eu não fosse reprovado. Fiz o exame, fiz a primeira recuperação e a segunda. Um dia, eu estava no Mercado Municipal trabalhando, quando ele chegou triste, dizendo-me que havia sonhado que fui reprovado. Respondi de pronto: – Então, será o contrário! – disse eu. No entanto, ao ser informado pela secretaria do Centro Educacional da minha reprovação, o sonho do poeta, infelizmente, estava certo.
 
Outro momento importante, nos anos 1990, foi quando liguei para Novais, do meu serviço para o dele, e ele me fez pagar um mico diante dos meus colegas de trabalho aqui em São Paulo, ao lembrar a mim a música do “coelhinho” que eu cantava na escola, quando criança. Acabei cantando, no meu serviço, para relembrar os velhos tempos, com todos olhando para mim, espantados, inclusive Cleide, que teceu alguns comentários sobre seu segundo livro, Ave Corrente.
 
Momento diverso foi mais recente. Novais me localizou pela Internet. Passei-lhe uma mensagem via celular. Um dia o meu telefone tocou e percebi que era o Novais, mas não o atendi, porque queria fazer-lhe uma surpresa e fiz. Telefonei a ele num domingo destes e esperava que Lara, sua filha, atendesse ou a esposa dele, pois assim a brincadeira ficaria melhor. Fiz uma vez com a professora Sara Oliveira, em Santa Maria. Veja mais ou menos o teor da conversa.
 
– Alô, quem fala?
 
– Eu que pergunto quem fala?
 
– Alô, quem está falando?
 
– Meu senhor! Quem é você?
 
– Eu quero falar!
 
– Falar com quem?
 
– É da paróquia?
 
– Meu senhor, aqui não é nenhuma paróquia, não. Diga com quem quer falar.
 
– Então, Ave Corrente, estou Flutuando na Areia.
 
A partir daí, ele matou a charada e começamos a falar. Às vezes era Novais, o poeta, outras, era Novais, o amigo. Muito pouco para matar as saudades de quase vinte anos sem nos vermos, mas esta nossa conversa, valeu a pena.
 
Agora, falarei sobre Novais escritor, cronista e contador de causos. Segundo Geraldi, a leitura é um processo de interlocução entre o leitor/autor mediado pelo texto. Encontro com o autor ausente que se dá pela palavra escrita, ou seja, ler é interpretar e compreender o que o autor quer transmitir, tanto nas linhas como nas entrelinhas, e, segundo Bakhtin, o livro é isto, um ato da fala impresso, um elemento da comunicação verbal.
 
Ao ler as crônicas do meu amigo santa-mariense, eu me senti inserido no que foi citado no parágrafo anterior. O prazer que sinto ao ler os contos de Machado, os “causos” de Fernando Sabino e as crônicas de Drummond, é o mesmo prazer que senti ao ler os textos de Novais. Parece que eu estava presente a todos eles. “O homem que matou o cabo da tomada do ferro”, gostaria de estar presente para ver a cara de pai Tião, do autor e de Hermes. E “O fim do mundo já passou”, também gostaria de curtir a cara de Tião, fazendo com que a Globo colocasse no ar anos depois, no Fantástico, “O caçador de mitos”. E, finalmente, “O carro na frente dos bois”, na Igreja e num casamento (Jesus Genésio!), eu tinha que estar lá, não podia perder essa! E perdi!
 
Para falar de Novais poeta, tenho a dizer o seguinte: enquanto durar o amor e a paixão, ele será um eterno amante apaixonado. Enquanto existir a dor e o fingimento, ele será um eterno fingidor. Tenho certeza que Vinicius e Pessoa diriam isto, pois sua obra está cada vez mais correndo a passos céleres para o círculo da imortalidade.
 
Parabéns, poeta. Gostaria que você desse, também, parabenizasse José Siquara da Rocha, o comentarista das orelhas do livro, que foi um dos poucos escritores a usar a palavra “creatividade” ao invés de criatividade. Muitos podem pensar que foi erro do autor ou de impressão, mas não foi. Ao longo dos tempos deturparam a palavra com neologismo, ficando apenas a palavra atual “criar” para todos os tipos de criação. Discorro abaixo o que escreveu, na maioria dos seus livros, o professor Huberto Rohden:
 
CREAR vem do latim e quer dizer: manifestação da essência em forma de existência; CRIAR é a transição de uma existência para a outra. Há entre os homens, gênios “creadores”, embora não sejam criadores. Novais é um grande gênio “creador” no que diz respeito à arte de escrever versos e prosas. Aliás, hoje, ele é um pouco mais diferente. Novais não é só verso e prosa, ele também é trova e prosa.
 
Segue abaixo uma mensagem sobre o livro. Na medida em que for lendo, grife todos os verbos, circulando as primeiras letras de cada um e, depois, escreva todos em coluna, um abaixo do outro, e terás um “monoacróstico” (palavra inventada agora) e verá o adjetivo citado por mim para esse grande livro Meu lugar é aqui no Centenário de Santa Maria da Vitória.
 
Os seus versos, entrelinhas e rimas, fartam minha alma, abduzindo meu pensamento, a navegar no infinito. Transige meu ego e superego, para aplacar meu eu; o pobre e o rico; o solitário e o não solitário, onde não sou poeta e nem rosa. Seus versos transmigram os meus sentimentos e inebriam a minha mente, onde não consigo olvidar da vida os bons e maus momentos.
 
Fartam
Abduzindo
Navegar
Transige
Aplacar
Sou
Transmigram
Inebriam
Consigo
Olvidar