ao jô do recanto das letras

de poeta para crítico

primeira vez que vi este nome não era este, era um delírio deste; e tão nobre e tão certo que viera, me atirara para fora do hábito usual da minha escrivaninha.

e se outrora o não fiz, hoje o perguntarei para mim:

por que me faço eu merecedor de tais palavras, tantas, — tão belas no entanto, jamais demasiadas; medidas, por quê? por que me faço-o de tão grande talento crítico e contudo poético a me alumbrar os tímpanos como aos sinos dos ventos?, como à infância poética?, minhas noites mais antigas, silentes, quando tinha por público galáxias conjuntas a me ouvir mudamente, e hoje não, por quê?

talvez nem mo faça.

mas o fato é que estão aí, agrupadas uma a uma, delicadamente, — e não a meus ouvidos estão, e nem como pedidos de resposta ou elogios perecíveis —, estão aí como cravadas, como nós eternos, indissociáveis do ser de si motoras. belas. belas. minhas. e em mim.

e talvez só para mim.

proferidas pelo antigo Dom Quixote dos Pobres passaram, do meu devaneio, para o pertencimento da minha história, e eu não lhes renderia tanta fé não fossem elas da mais pura sinceridade harmônica: críticas e poéticas; errôneas talvez, ludíbrio das horas, mas tão sinceras quanto o frio quando mata ou mesmo a flor quando murcha e se desfaz, aninhando-se no solo.

(porque a literatura é muito mais do que estrelas.)

a verdade é que vêm de um mistério austero da necessidade literária, se assim me expresso eu bem. como que "in natura". nem da bajulação nem da arrogância. de um motor alheio a nós, sem nenhuma serventia física ou qualquer praticidade: palavras como a constipação ou mesmo o suor, e estas aqui imersas na febre mais densa da alma.

pois do que sei sobre o jô, sua palavra é uma busca irrevogável de compreensão, e diga-se inaudível, e não de si diretamente. porque se a si busca é no explicamento do outro que o faz. e se não é de si de quem diz no que escreve, mas a ele é que se explica na profundidade do externo.

— e diga-se inaudível, porque se lança aos éteres sem a realidade física do som, a não ser pelo estilo, para ele ao menos sem. já que toda forma de expressão que não se habitue à prática não passa de súplica inexpressável, que só se entende em si mesma.

e assim creio que se lhe turvem os caminhos, rispidamente.

de um lado, os caminhos do crítico, que se diluem diante da irrealidade física da palavra, que se exoneram da concretude e vão habitar a prece, de uma forma adversa e veraz. porque da sinceridade, como o disse, não do dito.

de outro, os caminhos da poesia, que se estreitam pela demasiada consciência pontuada; que a ele foge ao extremismo, mas se adensa no calor instantâneo das formas, — e nele são muitas vozes a um tempo só lhe espremendo contra o reboque do muro, quase que lhe constrangendo a cútis.

ao jô, se me aparenta a mim que a expressão de si mesmo lhe fôra caduca perante a magnitude do outro, magnética. o seu mundo talvez fosse tão grande que se explicar a ele próprio fôra reduzir-se, já que eram demasiadas as páginas que haviam de imprimir-se. coisa que talvez três linhas resolvessem: quando não fossem dele que falassem estas, mas da mansidão de escritos deixados, largados, roídos que lhe abastavam a alma.

por isso o nosso jô do recanto das letras é para mim o grande crítico, porque não é crítico pelo despejo exacerbado da consciência teórica ou por nos fazer saber insistentemente das leituras que tem; é sim pela sensibilidade, pelo (re-)conhecimento sensível... é pela poesia.

se tenho a ele críticas, ah, quando às vezes julga através da gramática arcaica, sem concessões, como a das colocações pronominais já tão mais auriculares em nossos tempos... — jamais lhe refutarei contanto a impecabilidade, mesmo quando parece enganar-se. mas o seu conselho, a sua profundidade, sua maior galhardia não é nestes manejos que se encontra. é no aceno da dama ao longe ou no toque da prostituta; é no turíbulo aéreo dos caminhantes ou no movimento do andaime; o que seja; o que escreve alevanta para a insurreição, não deita para o túmulo.

e se serei eu merecedor dessas palavras, quererei que acima das minhas estejam, encravadas no tempo, as dele, um dia.

porque, verdadeiramente, a minha obra é o que está aí. não sei se haverá maior ou se haverá amadurecida. ela aleitou-se de si por um tempo, a poesia, e dormiu. e por isso quem sabe desmereça o nosso grande jô, quando for interrogado um dia sob o tombo da vida.

mas as palavras dele o não desmerecerão, disso tenho certeza.

estas estão imunes, mesmo aos enganos, às correções.

e se necessário um motivo:

porque vê por dentro a nossa realidade em massa e a expressa solitariamente aos ventos; e como a nós todos, efemeramente.

jô do recanto das letras em

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=7961