TRISTEZA NÃO COMBINA COM VOCÊ

“Fiz um acordo de coexistência amigável com a morte. Nem ela me persegue nem eu fujo dela. Um dia a gente se encontra”. Estas palavras conciliadoras e de pacífica vivência com a partida implacável são de Mário Lago, poeta, compositor e ator.

Pois é, Jaiminho, você não fez este acordo, por quê? Partiu de uma forma muito dolorosa para você e para todos nós, deixando-nos órfãos de seu sorriso fácil e franco, de sua alegria e de sua irreverência. Você “partiu antes do combinado”, como diria Rolando Boldrin. Poetas, pessoas especiais como você não podem e nem devem fazer isso. Isso é feio! Pisou na bola, justamente você, goleiro de futsal, corajoso, quase intransponível?!

O fato é que você partiu para a dimensão superior. E eu não vim aqui para falar de tristeza, porque tristeza nunca combinou com você. Vim relembrar os bons momentos, aqueles vividos em sala de aula, quando fomos colega por cinco anos (1969, 1971 a 1975), e hilariantes episódios tornaram-se indeléveis lembranças como as registradas na crônica a seguir, que já estava escrita para meu próximo livro, e envolvem justamente o professor Leônidas Borba, dentista, exímio orador e ex-prefeito de Santa Maria da Vitória, falecido recentemente, e você. Você mesmo, Jaiminho!

 
Na sala de aula

Numa aula de História do Brasil, o professor Leônidas dividiu a turma em equipes de cinco alunos, e para cada uma delas foi sorteado um assunto para ser apresentado numa próxima aula. Para minha equipe coube falar sobre o Estado Novo, especificamente, a trajetória política de Getúlio Vargas. Jaiminho ou Le Hibou (a coruja, em francês) fazia parte da minha equipe, além de Dalvo Graia (Neno), Jurandir Pereira e Sarah Oliveira.

Resolvemos inovar. Ao invés de cada membro falar um pouco sobre Getúlio, inventamos uma entrevista coletiva com o ex-presidente, que a mim coube o papel. Os outros membros seriam os repórteres de renomados jornais do País, que deveriam fazer três perguntas, logicamente, por mim sabidas e decoradas, claro e evidente.

A primeira e segunda rodadas de perguntas ocorreram como previsto. A terceira rodada também estava acontecendo dentro dos conformes, até que Jaiminho de Odílio Gongo fez o último questionamento na pretensão de desvendar um mistério histórico:

– Senhor Presidente, Vossa Excelência suicidou-se ou foi assassinado?

Ante inusitada pergunta, o defunto Getúlio – no caso, eu – tentou dar uma resposta à altura do questionamento espírita:

– Senhor repórter, eu não sei se foi suicídio ou se foi assassinato, o que sei é que tô é morto, embaixo de sete palmos! E ponto final!

 
* * *

Aula de Biologia. O professor Leônidas, voz anasalada, falava sobre o aparelho genital masculino. E aí, meu amigo, meninos com a cara suja de penugens e menininhas de blusinhas cheias (como ele mesmo diria), umas já até usando porta-seios, califon (sutiã), falar de sexo em sala de aula deixava todo mundo ouriçado, dava panos para manga, pois queríamos saber tudo de uma só vez.

Mas o professor!... O professor, apesar de competente e culto, não se sentia muito à vontade em falar daquele assunto com jovens e adolescentes. Um tanto conservador – eu disse “um tanto”! – às vezes deixava os menos atentos com o juízo mole. Basta lembrar que, quando queria dizer “fazer amor”, dizia “fazer roma”.

Já pensou?! E ainda tinha um agravante: ele era também nosso professor de História Geral. Por esta razão, eu não conseguia entender patavina alguma e nem o que havia de comum entre Biologia e História. Só mais tarde é que notei que a tal “roma” de que ele tanto falava é anagrama da palavra “amor”, de trás para frente, percebeu? Que recurso legal, não acha?

Voltando à aula, bem atrativa, como já disse, nosso eloquente e competente mestre concluiu assim o assunto:

– Bem, minha gente! O aparelho genital masculino é formado basicamente pelos ureteres, epidídimo, próstata, pênis e pelos testículos.

Lá do fundo da sala, ouve-se a voz de uma colega, que fez a mais inesperada e atordoante pergunta:

– Doutor Leônidas, o que é testículo?

Os alunos, a princípio, deram risadinhas esparsas e irônicas. Mas, ante a cara de espanto do mestre, já avermelhada, a andar nervosamente pra lá e pra cá, preferimos aguardar por sua resposta. Tínhamos certeza de que tiraria de letra, de forma bem didática, sem apelo à linguagem chula, impensável para ele.

O professor, porém, demorou muito. Demorou o suficiente para um colega, Jaiminho Coruja, compadecido da angústia do querido mestre, antecipar-se à improvável resposta que ele deveria dar, e socorrê-lo no popular mesmo:

– É cunhão (sic). É saco, minha fiinha!

O silêncio na sala foi sepulcral. Todos em suspense a esperar pelo pior. A esperar que o lente tomasse atitude radical, botando para fora nosso coleguinha despudorado. Surpreendentemente, o respeitado educador respirou fundo, esboçou um tímido riso, aproximou lentamente de Jaiminho e, aliviado, agradeceu:

– Obrigado, comandante, você me tirou de uma en-ras-ca-da! – A palavra “enrascada” foi dita compassada e acentuadamente.