ESSA ROSA É UM NÚMERO!

Ainda hoje tem gente que não acredita que no interior do sertão nordestino ainda se fale errado, ou mesmo que a energia elétrica não tenha chegado por lá, que a seca predomine em grandes extensões de áreas, que o povo, faminto, coma lagarto, casca de frutas e até plantas! Reconheço que têm melhorado algumas coisas, menos o problema da seca que seria resolvido com projetos de irrigação, cisternas ou poços.

Duvidam? Pois vou te apresentar minha personagem de hoje, a Rosa.

Rosa é filha legítima desse sertão, das “brenhas” como chamamos. Saiu do seu município fugida da seca e veio para a “cidade grande”, sobreviver fazendo faxinas, mas dela quero falar de coisas alegres, coisa que gosto.

A primeira casa que ela fez faxina foi no meu irmão. Depois de orientada sobre o serviço minha cunhada disse: não esqueça de lavar o banheiro da suíte! Suíte?Que diabo seria isso, ainda mais quando a porta é camuflada junto ao guarda roupa? Mas w.c. todo mundo conhece, até ela, que caprichou na limpeza do social. Minha cunhada deu uma geral no quarto recém-limpo e ao sair avisou: não esqueça o w.c. da suíte! A pobre da Rosa achou que o serviço estava mal feito, e assim fez por mais 3 vezes. Na quarta, já perdendo a paciência foi logo dizendo: -Dona, só se a senhora me arranjar uma escada pra lavar o teto, pois já lavei 3 vezes! Como uma pessoa lava um banheiro por 3 vezes e não tira os papéis do cesto? Reclama minha cunhada, abrindo a porta da suíte e só assim Rosa descobriu que o banheiro estava escondido no meio de todas aquelas portas! E não vá eu também esquecer de contar que a jarra com água para ser posta no frigobar foi descoberta no outro dia debaixo da cama...

Depois de um tempo ela ficou trabalhando direto na minha casa, onde está até hoje. Eu com minhas primas brincamos chamando umas as outras de "inútil" e com pouco tempo lá estava eu a chamar a Rosa de "inútil" (logo ela que é mais útil do que eu). Já enturmada na cidade arranjou logo um paquera que a convidou pra ir a um barzinho, depois de muita conversa o cara perguntou: - E aí, o que você achou de mim? E ela toda prosa, querendo impressionar: - Um inútil! Preciso dizer que o cara sumiu? No outro dia, com a cara mais lambida veio me perguntar o que é “um inútil”, depois das explicações demos boas gargalhadas.

Só que as aventuras delam não acabam aqui. Um belo dia, aliás, noite, resolvemos leva-la ao shoping, o maior daqui. Já na entrada ela se encantou com aquela “cancela” educada que dava boa noite e ainda entregava um papelzinho (ticket), curiosa em saber aonde à mulher ficava escondida! Realizou-se com as portas automáticas do shoping, entrou e saiu um bocado de vezes até que eu a puxasse pelo braço para irmos às compras! Ela mais uma vez se encantou “com aquele mundão” todo e com aquele excesso de lâmpadas acessas. Depois das compras resolvemos jantar. Eu e uma irmã resolvemos ir a um self-service, ela optou por uma pizza junto aos demais. Depois que o garçom educadamente serviu um pedaço da pizza no prato de cada um, ela olhou pra mim e baixinho perguntou: - É só isso? Se eu soubesse tinha ido fazer um prato também!

Antes que eu respondesse o garçom deposita o restante da pizza na mesa, e ela num suspiro, alto: - Graças as Deus!

Voltemos ao restante das compras. Agora no segundo piso. Ela detestou a escada rolante, coisa de gente preguiçosa, segundo ela, que não quer cansar “as canelas”. Mais compras, descer, agora eu “maldosamente” a levo pro elevador panorâmico, ela olhava pra baixo desconfiada, via aquela fonte com água em baixo e me pergunta se íamos descer no meio daquela água toda: -Claro, você não sabe nadar? Perguntei.

Fim da noite. Fomos deixá-la em casa. Ela nos agradeceu dizendo: - Nunca mais vou esquecer essa noite! E eu, com meus botões penso: - Nem eu, Rosa, você me mostrou que há mais vida lá fora do que nesse meu mundinho cor-de-rosa!

Esse conto não foi escrito com intenção de humilhar, ainda mais uma pessoa que é muito importante em nossas vidas, mas mostrar a simplicidade e pureza da pessoa simples do sertão que ainda não foi contaminada pelos deslumbres das modernidades.

Quando eu disse: - Rosa, vou fazer um conto contando tuas presepadas na cidade, ela exclamou: - Nossa, como tou chique!

Fortaleza, 02 de Dezembro de 2006.