MATIRDE

Matirde

Ocê num sabe cumo eu ti procurei domingo, depois da missa.

Eu vi ocê rezandu ajoeiada de ôio fechado mais ocê num mi viu. Eu tava lá trais da pia de água benta. Mais só oiava prucê. Nem rezá, rezava. Meu coração num deixava. Parecia que queria sartá da boca, tanto que batia só de oiá prucê.

Entrei na fila da hóstia, mais achei até pecado comungá

com os pensamento que mi vinha e não saia di jeitu ninhum.

Se num tivesse na igreja do Salvadô ia achá que era o Coisa Ruim me tentandu, pruquê eu num consiguia nem rezá o sarve-rainha.

Naquele dia que ocê me oiô no miarau e qui a gente conversô um cadinho eu garrei de pensá nocê. E num tem jeito de pará. Ocê me vem na cabeça toda veiz que a corruíra canta. Sempre que tem lua branca no céu eu penso nocê. As braubuleta avuam e eu penso nocê colorindo minha vida. As coruja óia lá de cima das árvri e eu penso nocê oiando pra mim, com seus óio verde.

Quando eu como a janta que a mãe aprepara eu penso que ocê é minha muié. E que a janta foi ocê que feiz. E eu como tudo pra ti agradá e pruquê me dá uma fome danada quando eu penso nocê. Cê intendeu o que eu quis dize, né?

Ocê mi preguntô se eu sesse o seu ómi como é qui ia sê. Se a gente ia sê feliz, alembra?

Ué, Matirde. Esse dia pode chegá. Pois, nóis dois si gosta. Nóis dois si qué. Nóis si emparêia. Nóis ainda num véve, num mora e num dróme juntu, pruquê nóis num qué.

Pois, si nóis dois queresse, se ocê deixasse, se ocê arresorvesse e isso tudo acontecesse, quem sabe nóis dois se amasse?

Aí... se nóis dois arresorvesse ser feliz juntu, fazêno muito carim, ia sê bão dimais.

Eu acho que a genti cumbina. Cumbina na péle e no que um qué do outro:

Um dá amô, o outro recebi e cuida. O outro dá amô, a gente recebi e cuida.

Um cuidano do ôtro, não tem morto qui segura, nem vivo qui não fica de ôio grandi ni nóis. Pruquê se sê feliz é o qui ocê qué, i é o que eu quero também, intão cê num é feliz pruquê num qué, pruquê ainda não veio falá comigo di novo.

Pruquê num veio memo? Cê sabe qui eu tô sempre nos mesmo lugá, lá na roça do miarau.

Pai me deu uma rocinha pra eu cuidá e disse que é só eu casá que a roça é minha.

Já plantei couve e planta de cheiro, um pé de mamão e vô fazê um galinhêro. No terrêro vô fazê um barracão que é procê guardá o mio e o feijão que a gente vai plantá.

Vamo enchê a casa de fio. Vai prenhá todo ano até a genti enjoá. Se nasce muié a gente bota um nome com a sua letra: eme de Matirde.

Pode escoiê um monte com Maria: Maria Quitéria, Maria Filomena, Maria Crara. Se quisé nomi estrangêro póde pô Mérináite, Mia Farrou ou até Madona. Eu num simpórto. Si nascê hómi, o primero vai tê o nomi do meu pai, como é tradição na famía: Antónho Ciço. Depois os ôtro póde tê nómi de letra: Dijanir, Diocléssio, Dijavan. Se fô nomi estrangêro, pode chamá Dunlope, Dijango ou Disnei.

O casamento vai sê uma festança! Vai durá treis dia. Vai tê comilança pras visita. Muita dança. O Jair da sanfona vai tocá duas noite seguida. Já me falô que vem com os primu: o João da frauta, o Tiãozinho da zabumba e o pretinho do triângo.

Ai, Matirde, meu coração só bate prucê. Sem ocê eu num sei vivê, sem ocê é mió morrê. A gente se conhece desde qui nasceu. Feiz o grupo da dona Zurmira junto. Ia pra escola brincandu um co ôtro. Ocê curria, eu tacava mamona. Eu curria, ocê tacava pedra. Mais a gente sabia que se gostava.

A gente brincô junto de queimada, de mãe da rua, de pulá sela e de passá anér. E foi de passá anér que ocê ficou vreumeia, quando eu fiz cóciga na tua mão e te deu aquele cumixão, aquela tremedêra. Eu vi mais num intendi na óra. Hoje eu sei o qui é. Era o gosto de muié chegandu. Ocê já era muié. Já tava no ponto de bala pra tê cria. Já me queria como a vaca qué o boi. Como a égua qué o alazão. Como a porca qué o porco. E a canária qué o canário. A gente nasceu um pro ôtro. Ocê e eu já é grandi. Num carece di espera mais. Eu ti amo! Iguar nas novela.

Puriço eu peço, Matirde, vem falá comigo. Te espero no miarau.

Beijim nessa virruguinha lindinha qui ôce tem perto do zóio e nessa boquinha com essis dois dentim qui aparece quando ôce sorri com as cóciga qui eu faço nocê!

Nói vai sê feliz, ocê vai vê. Eu juro e beijo os dêdo.

Juvenár

(ah já ia esquessendu, bom dia)

(Baseado no poema “Ah se sesse” de Zé da Luz)

Nota do autor:

Falar errado não é errado. Quem sabe um dia eu "seje" presidente?

Paulo Sergio Medeiros Carneiro
Enviado por Paulo Sergio Medeiros Carneiro em 15/12/2006
Reeditado em 15/12/2006
Código do texto: T318686
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