O Segredo Envenenado -------> Capítulo 1

Ele acordou assustado. Não teve um de seus melhores dias e também estava tendo uma noite bem ruim. Com os olhos cansados e seus cabelos arrepiados já entremeados de alguns fios brancos que demonstravam sinais precoces de velhice, ele vestiu seu roupão lilás e se sentou no sofá da sala.

Pelas suas contas, já era a 4ª vez que tentava dormir e a 5ª que não conseguia. Dormiu cerca de apenas vinte minutos a noite toda, não mais que isso. Sua mente só se voltava para um problema, aquele mesmo problema de sempre e que não o deixava dormir já fazia mais de uma semana...

- Encomenda para o Sr. Filman!

“O quê? A essa hora da noite?”, ele pensa. Aproxima-se então da porta para olhar quem está do outro lado através do olho mágico.

Não dá tempo. Um gás invade o interior do apartamento por debaixo da porta, e ele desmaia. Três estampidos e o homem está morto.

Um homem estaciona sem muito cuidado perto de um hidrante na Rua Dumont. Ele anda rápido e parece ter saído com pressa de casa – sua blusa está meio para fora da calça preta que parece ter sido pega por engano ao invés da azul marinho que completaria o paletó.

O homem entra em um hotel e sobe pelas escadas até o 6º andar. Não gosta de elevador, nunca gostou. Não tem certeza se é claustrofóbico, mas sabe com toda a certeza que não quer ficar dentro daquele retângulo nem que por apenas alguns segundos.

Ele sobe as escadas ajeitando a roupa, pensando por que diabos alguém tinha que morrer dia de domingo e também por que tinham que justamente o chamar para chefiar a investigação.

Já perto do 5º andar, com o fôlego totalmente perdido, ele começa a escutar vozes vindas do andar acima e balança a cabeça ao perceber que mais uma vez não lhe deram uma boa equipe, ou pelo menos é o conceito que ele obteve após avaliá-la; se uma equipe não é discreta o bastante a ponto de que ninguém a mais de cinco metros e um piso de concreto de distância possa ouvi-la, então não é uma boa equipe.

No 6º andar está a cena do crime. No corredor há respingos de sangue como em uma trilha saindo do apartamento 62. Dentro do apartamento há o corpo de um homem no chão, o peito nu está baleado e os respingos mancham o roupão lilás que está entreaberto. O morto aponta para o sofá com um dos braços e suas pernas formam um quatro. O apartamento está totalmente revirado, como se o assassino tivesse entrado em busca de algo.

Agora, além do homem estirado no chão, há mais cinco pessoas dentro do apartamento: um homem alto, afro-descendente, trajando uma camisa pólo branca mais jeans que se ocupa em bater fotos de todo o local; uma mulher de estatura mediana que está com luvas plásticas e traja jeans e uma camiseta cinza com os cabelos pretos em contraste com sua pele branca presos sem muito jeito por uma caneta esferográfica que recolhe amostras de sangue e outros materiais ao redor do corpo; um jovem loiro de cabelo arrepiado que ainda segura nas costas sua mochila cheia de rasgões e penduricalhos trajando uma calça bag e um blusão verde que conversa com um homem de paletó preto e cabelo despenteado que traz em seu rosto pálido de quem não tira férias a muito tempo uma expressão meio incrédula, como se não estivesse acreditando no que o outro diz; e o homem do paletó descombinando, que pede para falar com o outro de paletó preto.

-Bom dia, Victor. Pelo menos terei a sua companhia nesse caso. Eu ouvi o estardalhaço dessa nova equipe lá do 5º andar. Me admira ver que duas pessoas possam fazer tanto barulho, aliás, me admira saber que você não conseguiu uma equipe melhor do que essa para nos auxiliar!

-Deixe de ser rabugento, Raul! Como é que consegue levantar de tão mau humor?

-Bem, quando você é acordado no domingo, seu dia de folga, para vir investigar o caso de um cara morto que parece gostar do número quatro e mora no 6º andar e você ainda tem que vir correndo porque é um caso muito urgente, acho que contribui para o seu humor não ser dos melhores.

-Hum... É talvez. Mas eu também fui acordado e tive que vir correndo e nem por isso estou com essa sua cara.

-Ah, essa é a única cara que eu tenho. Além do mais, seu cabelo não parece estar tão tranqüilo assim.

-Não deu tempo de eu me arrumar direito... Além do que, você fala de mim, mas não sou eu que estou vestindo duas partes de paletós diferentes...

-Ah, nem me lembre disso! Vesti a primeira roupa que vi e só aqui na frente do prédio é que fui perceber essa porcaria...

-Tá, mas, me diz uma coisa, como foi que você ouviu o tal barulho? Veio de escada de novo?

-Você bem acha que eu viria de elevador?!

-Hahaha, agora sei porque você reclamou dele morar no 6ª andar... Mas o caso é que não foi nossa equipe a responsável por aquele estrondo, na realidade, uma das alças da mochila do garoto ali arrebentou e caiu tudo no chão. A senhorita Linhares quase teve um treco, ela disse que ele tinha bagunçado toda a sua cena do crime...

-E o rapaz é o que? Testemunha?

-É. Aparentemente ele estava saindo pra escola quando viu a porta do apartamento do Sr. Filman aberta e o próprio Filman estirado no chão.

-Hum... Ele só viu isso? Não viu ou ouviu nada ontem à noite?

-Ele diz que não estava aqui ontem à noite.

-Hum... Está bem. Mas não o libere ainda, leve-o para o prédio das investigações e deixe-o lá para interrogatório.

-Mas eu já o interroguei...

-Mas ninguém garante que ele não mentiu. Nada que um detector de mentiras não possa resolver.

-Está bem, mas vá com calma, Raul. Nenhum de nós gostaria de estar aqui tanto quanto você. Tente não dar uma de “vocês são uns idiotas” de novo. Aproveite que esse pessoal que eu escalei não te conhece e tente fazer com que eles não acabem admitindo que os boatos sobre o investigador Raul Soares são verdadeiros, ok?

-Tá, tá, tudo bem. Será que eu pelo menos posso avaliar minha cena do crime?

-Nossa, Raul.

-Nossa, nossa... Que seja.

-Tudo bem. Eu vou lá dar a notícia ao rapaz que ele terá que me acompanhar até o nosso prédio.

Enquanto Victor se dirige ao rapaz e o leva embora do apartamento, Raul olha ao redor da sala. “Estranho ele estar desse jeito no chão”, pensa o investigador, que se abaixa para verificar de perto o corpo.

-Epa, epa! Calma aí, mocinho! Esse corpo é meu!

Raul se assusta ao perceber que é impedido de avaliar o morto pela jovem de camiseta cinza.

-Eu ainda estou tentando avaliar as amostras ao redor dele! Já não basta aquele moleque derrubando suas tralhas em cima da minha cena do crime, agora vem um cara que parece estar querendo ir a um baile de carnaval fora de época interferir no meu trabalho!

- Calma, Luiza! Deixe o homem, ele é o chefe. É o Raul Soares. – diz o homem da máquina fotográfica.

Por um momento Luiza parece querer estar no lugar do homem no chão, mas logo se recupera e dirigi-se ao chefe:

-Me desculpe, senhor. Mas é que não está sendo um bom dia para mim, aliás, acho que para ninguém nesta sala. Eu sou Luiza Linhares, química, e esse é o Freddie Gracco, responsável pelos relatos do crime. Nós fomos escalados pelo investigador Victor Freitas para auxiliarmos neste caso.

Enquanto Luiza fazia as apresentações, Raul agachou-se e tirou um par de luvas plásticas do bolso. Agora ele mexe no roupão do morto, examinando-o por dentro e por fora. Luiza diz ao investigador o perfil do homem:

-August Filman, 38 anos, brasileiro descendente de italianos por parte de mãe. Solteiro, 1 metro e 68 de altura, morou fora do país por seis anos e voltou a dois anos atrás.

Raul ouviu a tudo ainda avaliando o corpo e o seu redor. Ele levanta e olha para a moça que está com uma expressão satisfeita no rosto, mas que logo se transforma em decepção quando o investigador só faz perguntar:

-Qual era a profissão dele?

Luiza não consegue responder de tão abismada que está, afinal, ela esperava um elogio do novo chefe. Freddie se responsabiliza pela resposta:

-Ele era professor de Física, tanto aqui quanto no exterior, só que no exterior ele também dava aulas de português.

-Um professor com dinheiro suficiente para comprar um roupão com forro de seda? Ou os professores brasileiros são muito bem remunerados ou ele não era só professor como todo mundo pensa. – observa Raul.

-Talvez ele tenha conseguido o dinheiro enquanto trabalhava no exterior.

-É, e talvez eu tenha conseguido meu carro enquanto trabalhei como ajudante de laboratório ganhando meio salário mínimo por mês.

Luiza está arrasada. Parece que tudo que ela diz está errado, ou, de alguma forma, não corresponde aos requisitos do investigador. Mas Raul não está nem se importando, ele é assim naturalmente. Agora, ele observa o modo como o homem está estirado no chão.

-Hum... Por que vocês acham que ele está desse jeito?

-Talvez o assassino o tenha deixado assim, como uma espécie de símbolo ou aviso a alguém. – sugere Freddie.

-Talvez, mas, se for isso, teremos respingos de suor em algum lugar desse chão, afinal, um homem adulto não deve ser tão leve assim.

-Acontece, senhor, que eu verifiquei todo o chão e não encontrei...

-Talvez não tenha verificado direito.

Raul se abaixa e começa a apalpar o chão. Não somente ao redor do morto, mas desde a porta até o sofá, que estão a mais ou menos um metro do corpo cada um. Perto do sofá, há um vestígio de algo líquido, não somente no chão, mas no pé do sofá também. Ele olha embaixo do sofá e pega algo de debaixo dele, é um pequeno caco de vidro. Os auxiliares o observam admirados com sua percepção, e Raul declara:

-Bem, devemos agradecer ao piso ser de lajota, o que faz o líquido evaporar mais lentamente devido a demora do material para absorver calor. E também devemos agradecer pelo nosso assassino ter quebrado algo, ou pelo menos é o que podemos sugerir. Agora mandem o corpo para a autópsia e recolham amostras do material que está no chão e no sofá também. Mandem isso mais esse caco de vidro e tudo o que encontraram que possa servir de amostra para o laboratório, e quando tiverem a resposta, me telefonem. Por enquanto, eu vou voltar para minha casa e dormir mais um pouco. Bom trabalho, senhores.

O homem de paletó descombinando se dirige para fora da sala deixando os outros dois ali, mas, antes de seguir escada abaixo, olha para trás e avisa:

-Ah, e não esqueçam: isto é muito urgente, tanto que me acordaram antes das sete no meu dia de folga, então, rápido com isso, ok? Até mais.

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Notas: Se gostarem, comentem, por favor, que é para eu postar mais. Senão eu demorarei muito para continuar o livro.

Emanuele Valente
Enviado por Emanuele Valente em 19/07/2008
Código do texto: T1087750
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