MINHA MÃEZINHA, VOU CONTAR A SUA HISTÓRIA

MINHA MÃEZINHA VOU CONTAR A SUA HISTÓRIA

1 - Minha mãezinha

Vou contar a sua história

Pois o pessoal de fora

Nunca ouviu falar

Nem a senhora

Tem resposta da pergunta

Pois o fato assim assusta

Quem escuta

E quem conta

Começa chorar

2 – Uma mulher de 32 anos

Recém chegada em Rondônia

Perde seu marido

Tendo cinco filhos pra criar

Como é que fica os caçulas

De dois e quatro anos

Sem o pai pra ajudar?

E os mais velhos

De 10, 11 e 12 anos

Juntamente com a senhora

Precisavam trabalhar

3 – Enquanto isso

Os dois menores

Na sombra do bacurí

Vendo os irmãos e a senhora

Roçar ou carpir

Assim aprendemos

Limpar a Terra

Com enxada e veneno

Mesmo sendo tão pequenos

Tinha que produzir

4 – É bem assim

Que se vira lá na roça

Onde a criança trabalha

Sem botina pra calçar

Bater a foice

Puxar enxada

Passar veneno

Não é coisa de pequeno

Mas se a vida assim obriga

A Justiça tem que aceitar

5 – O nosso rancho era

Coberto de tabuinha

Piso não se tinha

E o fogão era de lenha

Fora da cozinha

Também não tinha energia

Nem lampião pra clarear

Pois lá no campo

Sem os olhos do Estado

É bem mais complicado

Ninguém pode evitar

6 – Se hoje o meu juízo

Tem um pouco

De poeira ou de veneno

É porque cresci

Quase morrendo

Vendo a senhora

Chorar e sofrer

Não suportava

Ver a senhora

Trabalhando no Sol quente

Juntamente com a gente

Quase a morrer

7 – Minha Mãezinha

Amo muito a senhora

Não foi escolha minha

Se estou agora

Tão longe de você

A culpa é toda da Justiça

Que sem saber da nossa história

Ajudou a polícia me prender

A Justiça me colocou

Nessa gaiola

Como posso ir embora

Ficar perto de você?

8 – E o meu Paizinho

Que tão cedo

Foi-se embora

Pois quarenta e dois anos

É muito jovem pra morrer

E quem não sabe

Que o sonho de todo pai

É ver seu filho crescer?

9 – Minha Mãezinha

Hoje a senhora

É uma viúva idosa

Que vive aí sozinha

Sem compreender

Talvez essa é a sina

ou destino da senhora

Que até hoje

Ainda chora

Ao ver seu filho sofrer

10 – Minha Mãezinha

Eu canto e grito

Rasgo a garganta

Falo pra todo mundo

Que tenho muito orgulho

Dos meus irmãos

E muito mais de você

Estou aqui vivendo

Noutro mundo

Não é porque sou vagabundo

É por causa de um Direito

Que eu estava a exercer

11 – É que portanto

Eu não sou adestrado

A permanecer calado

Face a Impetulância

Do Estado

Que sem nenhum diálogo

Manda a Autoridade

Abusada

Me torturar

E me prender

12 – Eu sou trabalhador

Preso injustiçado

E o meu trabalho lá fora

Não tem dia, nem tem hora

Pra começar ou parar

Sou Motorista Profissional

De Categoria Qualificado

Sou Intelectual, Graduado

Carreteiro, quase Advogado

Sou Bacharel

Igual ao Magistrado

Pra que me prender?

Meu sonho de menino

Era de ser Carreteiro

Fui fazer isso primeiro

Antes de fazer

O Exame da OAB

13 – Eu não sou Médico

Minha Mãezinha querida

Mas sei um pouco

De cada coisa nessa vida

Pois o mundo é uma

Escola que ensina

Se me irrita

Meu juízo desatina

E isso tudo pode ser

Resultado do passado

Oriundo do uso

Da maldita lamparina

14 – Daquele fogo

Que quase nada ilumina

Um objeto alimentado

Com querosene

Óleo Diesel ou gasolina

E a fumaça

Expelida pela queima

Do produto que empreteia

E entope as narinas

Prejudica criança e adulto

Levando ao uso de medicamento

Forte e controlado

Pois é manipulado

Com certa dose de cocaína

15 – E bem por isso

Não se encontra

Em qualquer esquina

Ou qualquer lugar

É preciso ter receita

De Médico especializado

Senão fica sem comprar

16 – E o Psiquiatra

É o Profissional

Quase raro no Estado

Não se tem pra esses lados

Pois aqui é a Fronteira

Da Bolívia e Brasil

E por enquanto nem se fala

No Psiquiatra Forense

E que, portanto, para isso

Concurso nunca existiu

E se tivesse, pra mim não seria

O meu caso não atenderia

Pois a Lei para isso não previu

Seria apenas

Para os casos que tratasse

Na Vara da Infância

E da Família

Foi a Lei que decidiu

17 – Minha Mãezinha

Tudo que tenho

Aqui falado

Pode ser bem lembrado

Por sua filha, minha irmã

Que é Professora Graduada

É Letrada, Bacharel

Quase Advogada

Ela no EXAME foi aprovada

Mas ainda não foi inscrita

Pois a OAB não lhe dá

A Carta que permita

Pela Incompatibilidade do Cargo

Que a senhora não entende

Mas sabe disso os Doutores

De todo o Brasil

18 – O Psiquiatra pode ignorar

Meu conhecimento

Ou minha Sabedoria

Reprovar minha Teoria

E até não se importar

Pois leciono Disciplina

Diferente à tudo

Que na Escola se ensina

E as Faculdades

Deixam muito a desejar

19 – E quanto ao uso

Da maldita Lamparina

Que quase nada ilumina

Pois é objeto inadequado

Para clarear

Minha irmã, na época

Era ainda, menina pequenina

Talvez possa se lembrar

E o doutor sabe muito bem

Que toda droga

Terminada em “ína”

Vem da mesma fonte

E serve para viciar

20 – Por isso não adianta

Receitar Olanzapina

Ou Lamotrigina

Pra que eu faça

O tal uso contínuo

Pois vejo desnecessário

Por isso não vou tomar

21 – Eu não sou louco

Na cadeia faço música

Canto e fico meio rouco

É meu trabalho artístico

E disso o senhor

Deve saber

Ao menos um pouco

Que a Literatura

Não é coisa de doido

E que a Lei não proíbe

Meu direito de cantar

E quem disso tiver

Alguma dúvida

É só pesquisar

Pra se informar

Qual é o problema?

22 - Minha Mãezinha

Hoje a senhora

É uma idosa

Que vive aí sozinha

Sem compreender

Talvez essa é a sina

ou destino da senhora

Que até hoje

Ainda chora

Ao ver seu filho sofrer …

Cadeia de Costa Marques, Rondônia, Brasil

24 de janeiro de 2018

Léo Nardo WebSniper
Enviado por Léo Nardo WebSniper em 29/07/2020
Reeditado em 21/04/2023
Código do texto: T7019974
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