Viver o que se Crê

"A realidade somos nós quem criamos."

Eu sei... Ninguém quer ler, ver ou ouvir a realidade sobre nada, por mais falsa que na verdade ela seja. Ela se apresenta de modo tão injusto e cruel, e já nos parece bastar as lutas de todo dia, os sofrimentos que parecem vir em maior quantidade do que as alegrias... Eu sei...

Se enxergarmos a realidade a nossa volta assim como é, corremos o sério risco de concluir que não há sentido nenhum na vida. Tudo o que fazemos repetidamente pode ser em vão...Eu sei...

Se isso não ocorrer, corremos o risco de enlouquecer. Pois o bombardeio de violência, maldade, sofrimento e dor que nos rodeia é tanto que é impossível que não sintamos alguma coisa e choremos... Eu sei...

Bom parece ler um livro de romance ou um conto de fadas onde a linda princesa encontra seu príncipe encantado. Parece aliviar as tensões e esquecer os problemas uma 'dose', um 'pico', um 'quartinho', um 'trago' ou uma 'puxada'. É melhor olhar e guardar as imagens fofas e tão lindas com filhotes de animais, flores coloridas, homens e mulheres que se beijam, o encanto da Natureza, as imagens que retratam as fantasias... Eu sei...

Tudo isso parece nos dar esperanças de acreditar que ainda há algo de bom neste mundo... Que ainda há algo em que acreditar... Algo para se apegar... Algo para continuar... Eu bem sei...

E fazendo tudo isso, tudo continua exatamente como é. O livro em dado momento chegará ao fim... Começaremos a ler outro? Até quando? A bebida, as drogas perderão seu efeito e quando isso acontecer, o mundo parecerá bem pior... Beberemos, nos doparemos e nos drogaremos até uma overdose? Até morrer? As imagens tão belas um dia desbotam, apagam...Iremos enxergá-las até a próxima que encontrarmos? Enquanto isso as imagens reais tão belas da vida irão também perdendo a cor?

Tudo isso é bem melhor e traz um pouco daquela paz, daquela alegria, daquele sonho esperado... Eu sei...

Mas tudo isso é uma fuga de quem se entrega ao comodismo... De quem se entrega ao fim de tudo... De quem não espera mais nada e já acredita que nada pode ser feito... E não pode, eu sei... Pois fugimos por séculos todo santo dia de tudo aquilo que irá nos destruir pouco a pouco...

Quando a modernidade e as grandezas da civilização começaram a progredir alimentando a evolução da tecnologia, iniciou-se o processo onde os humanos encontravam uma pequena pedra no meio do caminho e simplesmente a chutavam. O que sobe também desce, e a pedra chutada voltava cada vez maior... Como bolas de neve... Foram crescendo... E hoje olhamos para o futuro e parece não haver nada mais lá...

O que temos ensinado aos nossos filhos? A usar camisinha corretamente? A revidar se alguém os bate na face? Ou melhor, a atirar se alguém os ofender? Que o mal se corta pela raiz, e se ele crer que as folhas riscam seu carro, ele deve cortar a árvore? Que o mundo está competitivo e que para vencer é preciso pisar em todas as cabeças possíveis e se possível esmagá-las? Que esse negócio de 'ser' não está com nada, e se tiver que 'ser', seja o mais rico, o mais forte, o mais bonito custe o que custar? Que só se é bem aceito se tiver um nível de vida alto, mesmo que aparentemente? Que se não usar roupas de grifes não vai conseguir levar nenhuma garota pra cama? Que homem que é homem leva todas pra cama? E mulher que é mulher vai pra cama sem perguntar o nome?

E um dia, não estaremos mais aqui neste chão onde quem continuará caminhando são nossos filhos... E o que podemos esperar do futuro então? Não estaremos mais aqui, porque nos preocupar em como nossos filhos e netos viverão aqui?

Eu olho para meus filhos e vejo que são heranças de Deus. Eu tenho a plena certeza de que um dia não viverei mais aqui, mas continuarei viva neles, parte de mim, que levam um pouco do melhor que tanto desejei. Quando meu dia chegar, partirei em paz sabendo que o que eu precisava ter ensinado a eles, eu ensinei. E saberei que de alguma forma, eles irão se preocupar também com seus filhos e vão ensinar a eles os valores que entram em extinção e que só podem continuar existindo nestes que geramos e colocamos no mundo.

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Hoje de manhã, fui ao médico e vi quantas pessoas estão mesmo doentes, pois deixam transparecer isso... E lembrei-me de minha mãe que ano passado foi desenganada de câncer e que teria pouco tempo de vida, radiante depois de uma viagem para o interior onde pode rever parentes e amigos de infância: ela nunca pareceu estar morrendo embora com tantas cicatrizes pelo corpo que, segundo ela, parecem um mapa.

E olhando todas as pessoas, lembrei-me que por dez anos eu repito as mesmas coisas, e o mundo vai de mal a pior. Nada do que eu faça irá mudar o mundo, apenas meu mundo interior. Não seria uma perda: de que adianta ganhar o mundo todo e perder a própria alma? Eu desejei pela milésima vez desistir de tudo, parar de escrever, parar de acreditar, parar de tentar mudar alguma coisa...

Ao voltar pra casa, na hora do desjejum, lembrei-me de uma passagem Bíblica sobre Davi que teve seu filho acometido de um mal que colocava a vida em risco. Davi se trancou e enquanto seu filho agonizava, orou por sete dias direto. Ao fim do sétimo dia, percebeu a agitação de seus servos e saiu. Disseram-lhe então que seu filho havia morrido. Ele respondeu que enquanto ele podia acreditar ele acreditou, agora nada mais poderia ser feito. Em vez de passar os últimos sete dias de vida com seu filho, ele trancou-se e orou acreditando que Deus poderia curá-lo. E Deus não curou, pois tudo tem seu tempo...

Fiquei perplexa com essa lembrança... E refleti o porque de Deus não atender aquela oração... E por que Davi, que orou por perceber que ninguém mais poderia curar seu filho, acreditou quando todos não acreditavam? E mesmo assim, nada aconteceu...

Nesta realidade tão cruel, nesta falta de perspectiva que ela revela, na extinção da Esperança e dos valores que mantém a humanidade humana, em minhas utopias que são a mesma de outros poucos, me perguntei porque assim como Davi eu insisto em acreditar....

Deus, independente do que você acredite que Ele seja, fala de muitas formas... Pensei que o fim destas palavras seria a lixeira... Deitei-me depois do parágrafo anterior sentindo-me mal com as dores que latejam e essa pergunta que latejava junto: Por que insistir?

Doía também ficar deitada e me levantei... Com a pergunta que insistia...Mesmo com dor, insistia em levantar... Levantei e encontrei um gatinho no meio do caminho, e ao ver seus olhinhos eu ri, mesmo sentindo dor... E o gatinho veio ao meu encontro e meu sorriso insistia...

Sentei-me para me desfazer destas linhas e escrever sobre outra coisa...Não quero justificar porque escrevo sobre o que escrevo ou porque acredito no que acredito... Então, surgiram diante de mim as linhas da Alma Hassin... E chorei...

Eu vi Deus falando comigo nas entrelinhas! E vi também que Deus ainda insiste comigo! Ele nunca desiste de mim, mesmo que eu não saiba exatamente o que Ele é....

Eu agora sei a resposta e entendo porque vivo insistindo... Não é a realidade a minha volta: é o que eu posso acrescentar a ela. Não é o desejo de mudar o mundo: é ver dentro das pessoas mudar!

Eu insisto porque realmente acredito no que digo e vivo! Eu insisto porque as coisas da minha vida só dizem respeito a mim, mas as coisas de 'nossas' vidas dizem respeito a todos nós.

Eu não tento mostrar como a realidade é cruel... Cada um de nós pode ver e sentir isso na pele... Eu tento é fazer você ver o quão grande você pode ser e como é possível através de uma melhoria de vida individual e interior, mudar tudo a nossa volta.

A realidade é falsa e um disfarce que apresenta o Dualismo onde a maioria pende para seu lado negativo... Tudo fica ruim a nossa volta para ficar ruim dentro de nós onde estão as chaves que abrem todas as portas. Não é de fora para dentro: é de dentro para fora!

Estamos todos no mesmo barco: os problemas que tenho são os mesmos que todos tem. Uns sentem com mais intensidade, outros com menos... O que é um grande obstáculo a ser transporto por mim, pra você pode não ser, mas todos temos obstáculos.

O que me afeta pode afetar a todos! Se eu sair de um lugar na fila, outro tomará meu lugar e a fila anda... Se eu colocar uma pessoa que seja a minha frente, irei atrasar todos os outros atrás de mim...

Não quero mudar o mundo... Não quero dizer como as pessoas devem viver... Não quero mostrar a elas o que está diante delas... Quero que se percebam que nas coisas que falo existem problemas que me afetam e você querendo ou não também é afetado. Eu não sou melhor que ninguém, eu sou igual!

Não abomino os humanos, abomino seus atos! E meu inconformismo e minha insistência existem para me atormentar e dizer como um ninguém feito eu se importa, enquanto muitos que tem como fazer, não fazem nada! Eu sou espécie da sua mesma raça! Eu sou afetada diretamente quando você não se importa! Meus filhos e minha futura geração serão afetados e não há como eu não me importar! Pois eu amo a vida que me foi dada! Eu amo cada minuto que vivo nesta terra a tal ponto de não fazer nenhum deles mera casualidade. Eu amo a oportunidade me dada de estar aqui! Eu quero devolver intacto o pedaço de chão que me foi emprestado tão generosamente, onde o solo fértil me dá todo dia uma alegria!

E se alguém não quer, como pode ousar em ser tão egoísta! Que direito se tem de romper esta corrente, onde todos nós estamos ligados, mesmo que muitos manifestem guerras e conflitos por diferenças que podem ser tão bem aceitáveis com um pouco de consciência e respeito. As guerras e conflitos, mesmo que eu não esteja em meio a elas me afeta!

Quero que descubram a dimensão da ignorância e bestialidade humana, e aqui neste universo Dualista, percebam também o quão grandes podem ser! O mal desencadeia uma seqüência de outras coisas ruins... O bem também pode fazer o mesmo!

Eu insisto porque durante toda a minha vida e por todos os anos que me resta, eu sempre irei me considerar uma formiguinha diante das pessoas... Insisto porque me acho tão pequena e tão inútil, limitada e enclausurada e mesmo assim eu tento fazer algo para acrescentar no mundo e em alguém oferecendo meu melhor... Insisto porque está reles mortal, desconhecida, ignorante, sem nenhum diploma que a coloque em foco, uma simples dona de casa, passa todos os anos tentando e mesmo assim acredita... Acreditando em um mundo que pode ser melhor, pois posso ver a grandeza que existe dentro de cada um. Eu sei... Eu posso ver... E fico insistindo pra que você também veja em si mesmo seu valor. Eu, assim tão pequena e insignificante, acredito tanto em mim... Acredito tanto em você...

Talvez, Davi orou tanto tempo e não foi atendido para que hoje eu aprendesse a insistir a acreditar, mesmo quando todos dizem o contrário... Pois, mesmo quando apenas parece não ter jeito, se existir um fio de esperança, devemos nos agarrar a ele. Hoje, talvez não possamos mudar nada, assim como Davi não conseguiu que nada mudasse... Mas, quem sabe no futuro... Mesmo que tudo estiver pior, alguém continue acreditando porque alguém no passado insistiu.

Mas ainda assim, por que me importar? Eu vejo Deus no outro! Eu vejo a mim mesma dentro de você!

São Paulo, 29 de Janeiro de 2009.

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 29/01/2009
Reeditado em 29/01/2009
Código do texto: T1410354
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