Eu SEI Senhor Presidente

          Quando eu era criança, pensava como criança e sonhava como criança e me espelhava muito em minha mãe, uma modesta professora primária, daquelas que dava aulas para quatro turmas ao mesmo tempo, numa escola isolada, lá no meio de onde o Judas perdeu as meias. Foi ela quem me mostrou as primeiras letras e me disse que juntando essa e aquela, eu formaria uma palavra, e depois, juntando mais uma e outra, eu conseguiria uma frase.
          Minha mãe tinha muito respeito pela Pátria e pelo dirigente da Nação e eu achava  bacana ouvir o Presidente da República discursando onde quer que estivesse.Não raro eu ouvia no radinho ligado na tomada, pendurado na parede, os pronunciamentos dos presidentes generais.
          Assim como minha mãe, eu também gostava de ouvir as falas do Presidente da República, talvez porque não entendesse nada de política ou porque não tivesse muita opção, afinal o rádio era tudo o que tínhamos como meio de comunicação. Hoje reconheço que mamãe tinha medo de discutir política em tempos de AI-5 (aquele mesmo), e preferia achar que tudo era bom do jeito que estava. E eu fui uma boa ouvinte da Voz do Brasil, naquele fim de mundo onde eu passei parte de minha infância.
          Demorei um bocado de tempo até adquirir massa crítica e optar por uma ideologia política, aliás, só pude votar quando já estava com 21 anos.Fui para as ruas e tive meus momentos de "cara pintada", entretanto, continuei gostando de ouvir as falas do presidente do meu país.
          Tivemos presidentes que falavam dois, três idiomas. Dava orgulho vê-los na televisão, falando tão bonito do nosso país.Hoje tenho engulhos a cada frase construída pelo nosso presidente quando ao final, ele solta aquele famoso "Sabe ? Isso é deprimente! Não me chamem de preconceituosa e intolerante, porque não estamos falando de qualquer pessoa. Estamos falando do chefe da Nação Brasileira. Daquele que nos representa diante do mundo inteiro.
          Não pretendo discutir o que esse ou aquele presidente fez pela economia do país, se melhorou a saúde da população e tudo o que cabe a ele fazer, por direito e por dever. Eu quero hoje e só por hoje, me rebelar com essa voz que me representa por aí afora, cometendo as maiores gafes com a nossa inculta e bela.
          Quando eu vejo o nosso presidente discursando ou dando uma entrevista, fico a imaginar quantos estão se revirando na tumba: Graça Aranha e Machado de Assis, certamente! E às vezes eu olho para a tela da televisão e, indignada repito: 
          EU SEI SENHOR PRESIDENTE!

 

Lili Maia
Enviado por Lili Maia em 03/05/2009
Reeditado em 05/05/2010
Código do texto: T1573976
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