ERA VERRÃO, DIA DE SOL ESCALDANTE.



Era verão, dia de sol escaldante. Meu pai passou a cavalo, escolhera um dos novos que nos vieram xucros e os amestrara ele sem gritos e golpes rudes. Passou assoviando, curvando-se na cela e esticando os braços para me alcançar e içar acomodando-me em seu colo.
 
Ao longo de toda a caminhada assoviou contente. E olha que não fomos perto! Deixou-me finalmente em pleno pasto sob uma árvore, vegetal alimentando-se por raízes que iam fundo na terra de areia, infértil para a agricultura, mas acolhedora a uma criança que detestava a lama dos solos mais nobres.
 
Permaneci ali brincando e me distraindo com as existências reais e imaginárias, pondo os meus olhos sobre as flores do campo, as minhas mãos sobre as joaninhas, o meu desejo de acariciar os passarinhos. Permaneci ali deixando livre o pensamento, para que eles fossem buscar os sonhos que sempre me levavam ao universo das impossibilidades.
 
Meu pai voltou depois, um tanto abatido. E de volta, sobre o lombo do cavalo, caminhou em silêncio e agora sem tanta pressa.
 
Só muitos anos depois eu soube que ele cavalgara naquele dia de sol, indo tão longe, por uma instância de seu coração. Fora doar sangue a um moribundo, homem que enquanto saudável o perseguiu, difamou, prejudicou ano após ano.
 
Ainda há verão. Há ainda sol escaldante. E eu ainda sonho acordado.
 
Que bom se eu pudesse ser uma árvore frondosa onde as pessoas inocentes pudessem se pôr à sombra. Que bom se eu também fosse instado por meu coração a dar meu sangue por alguém que por questões menores me julgasse inimigo seu.
 
 
Lucas Menck
Enviado por Lucas Menck em 29/08/2010
Reeditado em 30/08/2010
Código do texto: T2466711
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