Mãos que curam (Homenagem às mães idosas)

MÃOS QUE CURAM

(Uma homenagem às mães idosas)

Ardia em febre. O corpo parecia pesado como se um saco de farinha estivesse sobre ele. A imagem de uma linha, ora reta ora em ângulos pontiagudos, dava a sensação de desequilíbrio e, ao mesmo tempo, desconforto. O corpo miúdo, largado, sem forças, na cama. A doença. Tempo demais para quem não tinha tempo a perder.

De repente, duas mãos abriam a porta e traziam o chá de limão com mel. Para acompanhá-lo, um analgésico destes que se vendem na farmácia sem receita. Aliás, como ter receitas sem médico? Medicina caseira mesmo: chás de todos os gostos amargos e fortes de ervas colhidas no quintal, compressas frias, rodelas de batatas na testa, massagens com Vick e um comprimido qualquer. Esperança da cura que chegava pelo olhar piedoso e pelas mãos adultas e solidárias. Momentos de cuidado e atenção.

Doença é tempo paralisado e dolorido. As mãos se tornam a imagem do conforto naqueles dias sem brincar, correr, pular, falar. Eram estas mãos que traziam a sensação de alívio para os momentos de angústia. Sentia-se a cura enquanto se recebia atenção e carinho. Havia o risco da perda e a sombra da morte, mas o amor era maior. Era o que temperava o chá, a compressa e tudo mais. Lembranças das mãos solícitas em busca das solidárias.

Hoje, as mãos que solicitavam ajuda cresceram. Tornaram-se as que ajudam aquelas mãos solidárias que envelheceram e enfraqueceram. Uma troca justa, cheia de carinho, amor, atenção. A criança agora é a mãe daquela mãe que um dia foi forte e ágil. A filha é mãe da própria mãe. Cuida dos anos pesados da idade com as mãos daqueles que sabem retribuir o amor, o cuidado e a esperança da cura das doenças que surgem para tirar dolorosamente, aos poucos, uma vida inteira de dedicação. O tempo continua passando e urge. Ainda não há tempo a perder, porque o tempo de quem sofre é pequeno. Não é justo deixar sofrer quem curou nossas febres de quando o tempo parecia eterno e cheio de vida.

Que nossas mãos sejam sempre para cuidar bem da vida em momentos de alegria ou de dor! Que nossas mãos sejam a força para aqueles que precisam de ajuda! Que nossas mãos sejam a cura para as dores do corpo e da alma! Que todos sejam mãos solidárias e envolventes! Mãos que se estendem e curam cada vida que tocam. Que cada um de nós tenha nas mãos o toque sagrado de uma mãe.

Luciane Mari Deschamps

In.: E por falar em infância... Contos, Crônicas e Poemas. IXTLAN, SP. 2014.

Homenagem a todas as mães idosas que dedicaram suas vidas para cuidar de seus filhos em todos os momentos até o dia em que precisaram ser cuidadas com o mesmo amor e carinho.

Homenagem, principalmente, à Edite Maria Alves, que faleceu em fevereiro deste ano, aos 84 anos. Mãe da autora deste texto.

Luciane Mari Deschamps
Enviado por Luciane Mari Deschamps em 09/05/2015
Reeditado em 28/05/2015
Código do texto: T5236436
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