Quando ela foi embora...

Quando ela foi embora aquele dia, eu jurei que não choraria. E não chorei. Não naquele dia. Mas também não pude evitar ficar triste quando dois dias depois, ao ligar meu rádio, do nada tocou Rocky Raccoon. Procurei um cigarro no bolso. Nem lembrei que não fumava. Mas fumar combinaria com a cena. Apanhei a gaita na gaveta da cozinha e sai de casa sem rumo. Para trás, fui ouvindo a música distanciando. Sempre achei a harmonia daquela música, triste. Mesmo quando ela me disse que era uma música bonita e que a deixava feliz, não aceitei de todo aquela opinião. Na época estava disposto a agradá-la me interessando em me interessar por coisas que ela gostava. Beatles não eram meu forte mas, se fosse para confessar, muitos momentos pareciam pedir trilha sonora e, quando tentava pensar em algo combinante, lá estava eu em Abbey Road.

Trilha do nosso compartilhar e envolver.

Quando ela foi embora achei que não suportaria mais Beatles. Não tenho nenhum LP deles. Nunca tive. As rádios daqui não se ocupam com este tipo de música, no máximo A-Ha. Feliz, pensei que estaria livre pelo resto da vida. Aqui é tão isolado. Sem Beatles, sem lembranças.

Quando ela foi embora eu também quis fugir de mim mesmo. Queria ser outra pessoa. Como em uma história que ouvi de outro fulano que, amando outra pessoa, não gostava quando diziam que ela tinha um jeito engraçado de andar e que ela na verdade não combinava com ninguém mais. Ou coisa assim. Que fosse algo distante e confuso mas, que não fosse comigo. Não queria lembrar que a dor no peito era em mim. Não queria lembrar que Rocky Raccoon soava como aquela primeira noite de sexo. Sim, a primeira noite de sexo que passou a ser a primeira noite de amor. Ela tinha feito de propósito. Colocou o Álbum Branco e fez com que estivéssemos “juntos” bem na hora que a música começou. Como não vincular as coisas? Como não fazer essa associação?

Naquela tarde não me importei com a chuva que ameaçava vir. Seria disfarce para meu choro.

Desci a estrada da frente de minha casa, enxugando o rosto com a manga da camisa. Não queria lembrar o que Paul queria dizer em Rocky Raccoon.

A chuva demorou. As lágrimas vieram logo.

Subi uma pequena colina em busca da espera pelo pôr-do-sol. Aquela cena mostrava meu estado mental. O céu estava divido exatamente sobre minha cabeça. A minha frente um céu escuro, nublado e às minhas costas um céu limpo, transparente e sem nenhuma nuvem. Era assim que eu estava: dividido. Era assim que achava que ficaria pelo resto da vida. Mas o resto da vida é muito tempo.

Puxei a gaita do bolso.

Lembrei de um country meloso e antes de soluçar, comecei a tocar. Chorei novamente. Chorei com a gaita de Rocky Raccoon e aquela noite de amor.