Jesus cai pela terceira vez

Jesus cai pela terceira vez

Quando se cai repetidas vezes, compreende-se melhor aqueles que vão ao chão. Quando se está rente à terra, se está mais próximo ao que se é, a nossa natureza de pó, embora o sopro de vida ainda possa nos alentar. Quando se rasteja, chega-se ao cúmulo da humilhação. Quando se cai e não se encontra em si mesmo forças para se levantar, chega-se ao ponto máximo da exaustão. Quando se humilha a ponto de não ter mais com que humilhar, chega-se ao ponto máximo da degradação.

Ao cair, pela terceira vez, o Filho chegou ao extremo da condição de servo e a sua encarnação atinge o ponto mais profundo de sua solidária opção com aqueles que se vêem rente ao chão. O homem que fora do pó criado, recebe, no pó, o Senhor da criação. Deus humilha-se, vai ao pó, para resgatar aquele que do pó fora feito e que, um dia, contra o Criador cometera um ato de rebelião. aquele que só o bem fizera experimenta a ira, a objeção, o escárnio, os ultrajes de uma multidão. Beija o chão que acolheu sua pegadas, seu suor. Beija o chão que o recebeu, que o viu nascer, do qual seria suspenso num madeiro para, novamente, vir a descer e, num sepulcro emprestado, ser posto às pressas, como um corpo de sentenciado que, à vista de muitos se oculta, por ser véspera de Páscoa, porque a Lei assim prescrevia, porque assim tinha que ser. Nesse movimento de oscilação, de grandeza e de vileza, de extrema solidariedade e da mais profunda vileza a que pode chegar a natureza humana, Jesus ainda reúne forças para se levantar, para continuar e cumprir até o fim a obra que o Pai lhe determinara realizar.

Jesus cai pela terceira vez, Ensinamento contra os soberbos que não admitem resvalar ao menos o pé, franzir apenas uma ruga de sua tez para não terem que se manchar, para não terem de se incomodar, para não terem de se desconcentrar. Jesus Cristo quebra a presunção, a altivez e ensina que o caminho da humildade é o mais curto para se chegar a Deus. Na queda do Senhor, retoma-se e resgata-se a queda primeira. Na terceira queda, a sua queda derradeira, ele repara todo o mal que, pela humanidade, se fizera no passado, e que tanto mal vinha causando às gerações. Culpa transmitida, sequenciada; culpa ainda em transmissão. Quedas e quedas, quedas e quedas a minar as forças, a tirar o sossego da alma, a entorpecer os sentidos, a não devolver a calma. Jesus num gesto de extrema solidariedade com nossa humanidade condição e dando sequência, assumindo as consequências de sua encarnação, cai, vai ao chão, para daí soerguer os decaídos, os excluídos, os perseguidos, os humilhados, os que não encontram ajuda, os que são dado em espetáculo de vergonha para o mundo, os que sofrem a indiferença, os que têm sua dignidade negada por quem muito poderia fazer e pouco fazem ou até mesmo nada.

O Senhor Jesus cai pela terceira vez. Quem levantou os mortos, quem devolveu a saúde aos doentes, luz aos cegos, liberdade aos cativos, saúde aos enfermos? Jesus que tomba agora por terra, rente fica ao chão. Quem por ele se movia de compaixão? Algumas mulheres, sua mãe e o apóstolo amado, João. Quem ousou levantá-lo? Quem tomou sua defesa? Ninguém. Antes, fora negado (Pedro); antes fora traído (Judas); antes fora abandonado (todos os apóstolos). Quem foi ao seu encontro para alentá-lo? Maria sua mãe e, por compaixão, Verônica que, com uma toalha, seu rosto enxugara. Quem veio aliviar suas feridas? Quem lhe deu de beber? Ninguém. Jesus estava só. Aquele que fora sempre procurado, agora estava largado; rodeado pela massa sôfrega de novidade, como quem vai a um circo. Jesus, covardemente acusado, arbitrariamente condenado, dado em espetáculo como se tivesse cometido grande crime, silencioso e silenciado. Judeu excluído e discriminado, pelo poder vigente esmagado.

Que grande confusão era isto para mim e para muitos naquele momento: os que davam morte a Jesus não os legítimos representantes da vontade de Deus? Não eram eles que interpretavam para o povo a Lei de Deus? Estariam eles errados e Jesus certo quanto a verdadeira natureza dos mandamentos? Sendo Jesus, na verdade, Filho de Deus, porque merecia morrer na cruz? O reino por ele pregado estava fracassado ou então havia Jesus errado ou então o seu reino o que seria? Mas, os sinais que o acompanhavam, a forma como ele pregava e vivia nada disso contava? A verdade onde estava? Os sacerdotes, escribas e fariseus a verdade de Deus pregavam; Jesus como a própria verdade se apresentava; então por que na verdade eles não se encontravam? Para além da verdade que se busca, que se prega, algo ainda falta? Se a verdade é o óbvio em sua evidência, por que então de vez não se evidência? Com estes pensamentos, contemplava Jesus caído. Oscilava eu entre decepcionado com Jesus, pelo seu Reino pregara e que não chegara e no qual tanto eu havia acreditado, por causa de que eu havia tudo largado, e o arrependimento de tê-lo negado. Pela razão primeira ou por esta eu não havia dele me aproximado. Todavia, dentre todas as dúvidas que ora me assaltavam, uma certeza ainda trazia eu comigo: amar com Jesus amava nunca até então havia eu visto. Posso testemunhar até que, bem mais do que pelos sinais que ele realizava, o amor com que ele amava, o amor respondia porque as mulheres o procuravam. Jesus falava do que vivia e os sinais que, por meio dele, Deus realizava, davam mostras do amor do Pai que nele havia.

Jesus, mestre de Nazaré, tem piedade de mim. Como podes ser tu quem és e continuar eu ser assim? Livra-me do mal, livra-me da queda fatal e que por nada neste mundo ou por ninguém seja eu afastado de ti. E lembra-te: onde eu estiver precisarei de ti.

Padre Airton Freire